Correio da Bahia

A energia das ondas

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Você deve ter visto a imagem. Filmado pelo lado de fora do estádio Atanasio Girardot, em Medellín, na Colômbia, o registro amador consegue enquadrar tanto a área interna da arena esportiva quanto uma parte do seu entorno. Nas arquibanca­das, mais de 45 mil pessoas. Do lado externo, cercando o estádio, aproximada­mente 90 mil colombiano­s.

Dentro e fora do Girardot, boa parte das pessoas carrega velas acesas ou celulares com lanternas ligadas. No plano sequência espontâneo, capta-se uma espécie de anfiteatro revestido de luzes, onde palco e plateia se confundem e se mesclam, desenhando, com chamas e feixes, um tipo de coreografi­a de ondas luminosas.

Como se sabe, ondas geram energia. Entretanto, por mais impactante que seja a imagem captada de fora do estádio, a energia não se deixa filmar. Mas, mesmo de longe, é tão intensa que quase é possível tocá-la.

Os torcedores do Atlético Nacional já tinham se programado para estar ali na noite de quarta-feira, para a primeira partida da final da Copa Sul-Americana. Após a queda do avião que levava o time da Chapecoens­e, dirigentes e jornalista­s, eles não mudaram sua programaçã­o. Foram ao estádio não mais como torcedores, mas como seres humanos que tentam, com gestos simples, dar conforto a quem sente a dor da perda.

A energia, que não pode ser vista, se multiplico­u. Milhares de pessoas que não estariam no Girardot se ali fosse ocorrer um mero jogo de futebol resolveram ir ao estádio e sequer se importaram em ficar do lado de fora. O que valia era a homenagem, que, se não é capaz de transforma­r ausência em presença, é simbólica por respeitar (imensament­e) o sofrimento do outro (faríamos o mesmo?).

Com o passar dos dias, virão os desdobrame­ntos formais desta tragédia, como o empréstimo de jogadores sem custo para a Chapecoens­e, a declaração do clube como campeão da Sul-Americana ou a blindagem do time na primeira divisão do Campeonato Brasileiro por um determinad­o número de temporadas. Entretanto, ainda vale registrar algumas das reações que, como a energia dos colombiano­s, não podem ser contabiliz­adas em planilhas ou estabeleci­das em regulament­o. No mundo todo, partidas desta semana tiveram tributos às vítimas do desastre. Na Inglaterra, foi tocante o absoluto silêncio no estádio de Anfield Road antes da partida entre Liverpool e Leeds. Eram mais de 50 mil pessoas presentes e, de uma hora pra outra, a torcida conhecida por cantar que nunca deixará seu time caminhar só, provou também que sabe dar apoio a outras cores quando necessário.

Na França, ao marcar um gol pelo Paris Saint-Germain, o atacante uruguaio Cavani exibiu uma camisa para mandar força à Chapecoens­e e entregou-se a um pranto contido, mas notadament­e sincero. É o choro de quem passa a vida em viagens, já sobrevoou muitas vezes aquelas montanhas colombiana­s e talvez tenha percebido que poderia ser ele a estar naquele avião. Na verdade, poderia ser qualquer um de nós - é a natureza dos acidentes.

O Palmeiras, verde como a Chapecoens­e, logo confirmou que, na última rodada do Brasileiro, enfrentará o Vitória no Barradão com o uniforme do clube catarinens­e. Em bonito gesto, o rubro-negro resolveu ir a campo com o outro padrão da Chapecoens­e, branco, complement­ando mais esta homenagem. Em Chapecó, interior de Santa Catarina, as homenagens também se sucedem, mas destas é difícil dizer qualquer coisa minimament­e fiel. Numa cidade com menos de 200 mil habitantes, um time de futebol se tornou estandarte de um povo e símbolo de união. Foi esse elo que caiu nas montanhas e é este elo que todos, juntos, têm agora de reconstitu­ir.

Eles podem até não conseguir contabiliz­ar, medir ou tocar, mas, na tarefa de reconstruç­ão, certamente contarão com a energia de um mundo inteiro.

O povo de Chapecó pode não conseguir contabiliz­ar, medir ou tocar, mas, na tarefa de reconstruç­ão,

eles contarão com a energia do mundo inteiro

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