Por que nós paisas somos assim?
O que se viveu em Medellín depois da tragédia do avião com a equipe da Chapecoense demonstrou, talvez como nunca antes, nossa capacidade de sentir compaixão por causas alheias, mas também é verdade que o acidente mostrou um traço característico de nós, os paisas*, uma obsessão constante: o chauvinismo.
Nós paisas pertencemos a um gênero pouco comum. Somos recordistas mundiais em mortes violentas (em 1991 tivemos uma taxa de 266 homicídios por cada 100 mil habitantes), mas organizamos manifestações de solidariedade continental como as da semana passada. Há alguns anos, Medellín foi eleita como sede da Assembleia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Eram os 50 anos do BID e a cidade ficou lotada de personalidades do mundo empresarial e político. E, como raras vezes acontece, durante esses dias não houve uma morte violenta sequer em Medellín. Uma vez encerrada a Assembleia, no dia seguinte, os sicários voltaram às motos e ao gatilho. Houve uma trégua porque 2.500 estrangeiros nos visitaram durante cinco dias.
A homenagem às vítimas do voo 2933 da LaMia teve um ar de marketing inadvertido que me lembrou o que ocorreu na Assembleia do BID: uma multitudinária manifestação humana em torno da compaixão e do luto. Lenços brancos e velas acesas. Nos apropriamos da dor brasileira e choramos. Sempre dispostos a expressar até a última gota de nossa cortesia, soube-se de taxistas que não queriam cobrar as corridas dos brasileiros, de gente que levou às clínicas água benta, esculturas do menino Jesus e convites de hotéis de repouso para os familiares das vítimas; houve recorde de doação de sangue e meia centena de nativos se ofereceram como tradutores para as famílias. E, veja, não acredito que seja uma pose. Simplesmente, assim somos.
O discurso do prefeito de Medellín, Federico Gutiérrez, na noite de quarta-feira, em plena homenagem no estádio, foi eloquente nesse sentido: “Uma mensagem clara e concreta: tudo isto que vocês estão vendo neste momento (...) tem nome. Este sentimento tem nome, este valor tem nome e se chama solidariedade. E o mais importante que temos que entender é que disso somos feitos, os paisas e os antioquenhos”. O que o prefeito esqueceu (e incomodou várias pessoas) é que Medellín não foi a única cidade da Colômbia que manifestou solidariedade. Mas esse é um lugar-comum em nossos dirigentes locais. “Medellín é a primeira, a mais e a melhor” e isso tem que se saber pelos alto-falantes.
Talvez se trate de um mecanismo de defesa devido à experiência em tragédias. Ainda nos machucam aqueles dias de puro chumbo dos anos 90. A cada tanto, uma nova série ou novela nos lembra que aqui nasceu, se criou e morreu o capo dos capos, Pablo Escobar. E, a cada semana, um punhado de mortos regados no asfalto revela um espelho onde não gostamos de nos olhar. Convivemos com essa contradição: uma acolhedora amabilidade e os eventos de pesar.
Seis dias depois do acidente do avião, ainda se sente um certo ar de luto e tristeza. O técnico do Nacional, Reinaldo Rueda, comentou: “Às vezes acordo de noite e vejo esses rapazes da Chapecoense (...) o que aconteceu é uma lição de vida”. E também uma metáfora de como, os paisas, somos.