Correio da Bahia

Bárbaras e Iansãs

- Thais Borges thais.borges@redebahia.com.br

A força das tempestade­s, dos raios e dos trovões é feminina. Vem de Bárbara, que, antes de se tornar Santa, foi uma jovem que enfrentou o pai e a morte para não renunciar à fé em Deus, no século III. A força vem também de Iansã, mãe e guerreira por natureza, deusa do Rio Níger, um dos maiores da África.

Não seria exagero dizer que vem também das mulheres que foram, ontem, ao Largo do Pelourinho, celebrar o poder dessas duas rainhas. Só que, embora as moças fossem maioria visível, não foram as únicas: milhares de devotos participar­am da festa, que abre o calendário de eventos populares de Salvador.

Santa Bárbara e Iansã dividem a data devido ao sincretism­o religioso: no Brasil colonial, quando o candomblé era proibido no país, os negros da África cultuavam os orixás sob a forma dos santos católicos.

“As mulheres se identifica­m, porque Santa Bárbara é guerreira. Toda mulher é um pouco Santa Bárbara”, dizia a fisioterap­euta Icléia Soares, 36 anos. Mas, acompanhad­a do marido, da prima e dos dois filhos pequenos, ela é uma das que acreditam em todos os santos. “Vou para o Bonfim (a festa do Senhor do Bonfim), Iemanjá, São Lázaro... A que eu mais gosto é a do Bonfim, mas essa daqui tem uma energia muito bonita”, disse ela.

O caso de amor da fotógrafa Amanda Oliveira, 25, com as festas populares dessa época é tão forte que acabou virando trabalho: hoje, ela pesquisa o tema no curso de Antropolog­ia. A preferida é a de Iemanjá, mas a festa de ontem é especial, porque Iansã é a orixá do terreiro que frequenta, o Ilê Asé Oyá Neregi Acorô Omim, no bairro de Castelo Branco.

“Iansã é uma força que vem quando você acha que não tem jeito. É aquela força de dentro para fora e mostra que tudo é possível. A festa de Iemanjá é o tema da minha pesquisa. Sempre quis ir, desde que comecei a ler Jorge Amado. Quando fui pela primeira vez, foi paixão à primeira vista. Por isso, vou para todas (as festas), mas essas duas são as mais especiais”, revelou a fotógrafa.

AMOR

A professora Vera Lúcia França, 66, e a cuidadora de idosos Kátia Paranhos, 52, também foram receber o axé de Iansã – e pretendem fazer o mesmo nas próximas festas. “Iansã representa paz e caminho. Ave Maria, até falar o nome me arrepia, porque sou de Oxóssi com Iansã”, disse Kátia. “Eu vou para o Bonfim, para Santa Luzia, São Lázaro, para tudo”, sorriu Vera.

Para as amigas, que são candomblec­istas, faz parte da cultura do povo baiano ser devoto de vários santos. “É um axé que vem de dentro da gente, que deixa a gente nesse amor todo. Tenho fé em todos, minha filha”, afirmou Kátia.

VERMELHO E BRANCO

A festa começou às 5h, com a alvorada. A missa campal, presidida pelo padre Muniz, pároco da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, começou às 8h e foi seguida pela procissão que lotou as ruas do Centro Histórico.

A professora Telma Garcia, 57, segurava uma rosa vermelha enquanto assistia à missa campal. Apesar de gostar da festa, era apenas a segunda vez que teve a oportunida­de de participar, já que o dia 4 de dezembro caiu em um domingo. “A rosa é para pegar o axé e levar para casa. Gosto de Santa Bárbara e, como filha de santo que sou, Iansã é meu orixá de frente. O orixá de cabeça (o principal) é Iemanjá.”

A filha dela, a administra­dora Ludmila Garcia, 35, também com uma rosa nas mãos, fazia coro aos que falavam da força das santas. Para ela, isso explicaria o motivo de encontrar mais mulheres do que homens entre os devotos. “Santa Bárbara é uma santa mulher, é forte, é lutadora, e tem essa representa­tividade. Antes, o homem estava à frente de tudo. Hoje, não. É a mulher que está à frente”, garantiu.

Entre os devotos, houve também muitos para quem a festa de Santa Bárbara e Iansã é a primeira e única. É o caso da publicitár­ia Lidiane Oliveira, 34, que foi junto com a família, todos vestindo vermelho. “Santa Bárbara representa nossa luta diária e renova nossa fé em tempos tão difíceis.” A aposentada Maria da Glória Pereira, 63, também só costuma ir à festa de Santa Bárbara. Em 1987, fez uma promessa para conseguir um emprego e conseguiu. “Quando me aposentei, há três anos, decorei minha casa toda de vermelho e dei um caruru. Ela só me deu vitórias e sei que ela vai curar o câncer de minha filha.”

Festa tem forte participaç­ão de devotas da santa e da orixá

Nessa quinta-feira, é dia de homenagear a padroeira da Bahia, no Comércio

Em 13 de dezembro, tem fila no Pilar, no Comércio, para molhar os olhos na água milagrosa da santa

Dias 31 de dezembro e 1° de janeiro têm procissões marítimas entre os bairros do Comércio e Boa Viagem

No dia 6 de janeiro, a tradição europeia vai agitar o eixo histórico. A concentraç­ão é no Largo da Lapinha, com barracas típicas

12 de janeiro é dia de vestir branco e caminhar da Conceição da Praia à Colina Sagrada

Em 2 de fevereiro, tem festa no mar para a Rainha das Águas no Rio Vermelho

5 de fevereiro, tem água de cheiro na Igreja de Nossa Senhora de Itapuã

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Pétalas de rosas vermelhas saúdam a santa nas ruas do Pelourinho

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