Minha melhor amiga
Enquanto o mundo estremece e tem estertores com medo de uma nova Guerra Fria, não mais entre a União Soviética que foi desagregada devagar como uma tarântula dissolve sua vítima, mas com a iminência de um conflito direto com a Coreia do Norte e a China; enquanto ficamos pasmos com as revelações do relacionamento nefasto entre Donald Trump e seu alter ego e também maníaco, ególatra e perigoso Putin; enquanto a democracia arregala os olhos com medo de ser vencida e o fascismo, o nazismo e o totalitarismo se instalem por osmose a partir do novo governo norte-americano, ficamos mesmo foi extasiados com o discurso de despedida do democrata Obama.
Foi interessante vê-lo falar sobre os perigos que corre a democracia. Observar que a xenofobia que começa a grassar muito mais hoje é do mesmo quilate daquela que rejeitou nos séculos XIX e XX os irlandeses, os poloneses e os italianos e que o tempo mostrou que eles foram, sim, responsáveis pelo crescimento e fortalecimento dos Estados Unidos. Bom mesmo ouvir Obama criticar o racismo que só serve para enfraquecer um país. Mas, emocionante foi ver o primeiro presidente negro da história dos EUA olhar direto para sua mulher Michelle e agradecer por ela ser “minha melhor amiga”.
Manifestar gratidão, não somente por ela ter enfrentado uma batalha árdua como primeira-dama, coisa que ela não pediu, mas que assumiu de corpo e alma, como disse Obama. Mas agradecer por ela ser simplesmente sua melhor amiga. Parece pouco? Não é não! Quantas pessoas você conhece que tem em seu parceiro, sua parceira, tenha lá a configuração que venha a ter este relacionamento, que considera o outro um verdadeiro amigo? Alguém a quem revela-se os mais recônditos segredos, as mais asfixiantes aflições, os mais emocionantes devaneios, as mais profundas emoções. Dividir uma alegria e ver a alegria no outro. Passar um sofrimento e sentir a empatia. E ter um porto seguro.
No livro ‘O Profeta’ Khalil Gibran observa: “O vosso amigo é a resposta às vossas necessidades/Ele é o campo que cultivais com amor e colheis com gratidão/E é o vosso apoio e o vosso abrigo/Pois ides até ele com fome e procurai-o para terdes paz/Quando o vosso amigo fala livremente, vós não receais o “não”, nem retendes o “não”/E quando ele está calado o vosso coração não deixa de ouvir o coração dele; pois na amizade, todos os pensamentos, todos os desejos, todas as esperanças nascem e são partilhadas sem palavras, com alegria (...)E na doçura da amizade que haja alegria e a partilha de prazeres” (extraído do Recanto das Letras). Já para o filósofo inglês Francis Bacon “A amizade duplica as alegrias e divide as tristezas”.
Pois, se Obama não deixou um legado da estatura de um estadista que governou durante oito anos o país mais poderoso do mundo, num cenário internacional conturbado; se ficou equivocado em sua política externa ou não conseguiu aplacar as diferenças internas, pelo menos pode-se dizer que Obama resgatou o amor, a amizade e a relação lúdica entre marido e mulher. O resto... é o resto.