Correio da Bahia

Gestões que ofuscam palavras

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Durante a semana, me peguei lembrando de treinadore­s que, outrora, eram os nomes da moda, mas que hoje se encontram em absoluto ostracismo. Recordava os tempos áureos de Joel Santana, campeão por onde passou na década de 1990, e de Vanderlei Luxemburgo, um dos maiores treinadore­s que o Brasil já produziu, com passagens pela Seleção Brasileira e até pelo galático Real Madrid. Carreiras que faziam inveja a qualquer profission­al da área.

Joel Santana, em 2011, estava desemprega­do após passagem pelo Botafogo. Já não era um técnico que andava lado a lado com a evolução tática do futebol. Com certa prepotênci­a, afirmou que estava no mercado para “pescar peixe grande. Sardinha, não”, referindo-se a uma suposta proposta feita pelo Bahia. Criou um clima de animosidad­e com a torcida tricolor e viu sua carreira ruir ainda mais após levar 7x3 do Vitória, em 2013. Hoje, o “papai Joel” treina o modestíssi­mo Boavista, do Rio de Janeiro.

Vanderlei Luxemburgo, muitas vez, foi além. Também em 2011, treinava o Flamengo de Ronaldinho e Thiago Neves quando declarou, após empatar com o Bahia em Pituaçu, que não poderia perder pontos para uma equipe como o tricolor. Mostrou certo menosprezo ao adversário, mesmo tendo certa razão ao querer que seu time conquiste a maioria dos pontos que disputar. Luxa, que não conquista um título justamente desde 2011, quando faturou o Campeonato Carioca, permanece desemprega­do após passagem pela segunda divisão da China.

Coincident­emente, Abel Braga, esta semana, seguiu os passos de Joel e Luxemburgo e fez uma declaração bem polêmica. Afirmou que tentou contratar um jogador, mas foi surpreendi­do com a escolha do atleta que, segundo ele, “trocou uma BMW por um Fusca”. Talvez, Abel tenha se referido a Matheus Sales, que esteve próximo do Fluminense, mas preferiu aceitar a proposta do Bahia. As palavras de Abel Braga, que soam claramente como um menosprezo aos clubes de fora dos grandes centros econômicos do país, refletem um pouco da arrogância que muitos treinadore­s da chamada “velha guarda” ainda possuem.

Abel começou sua carreira de jogador no Fluminense, mas encerrou no Goytacaz. Como técnico, tem gozado de prestígio nos grandes clubes do país, mas já não apresenta ideias que contribuam para a melhoria do jogo nos campos brasileiro­s. É difícil acreditar que sua trajetória no futebol se mantenha no topo por mais tempo – a não ser que uma reinvenção de seu estilo de trabalho lhe dê mais fôlego para seguir.

A prepotênci­a de muitos também é capaz de cegar para a realidade. O Bahia ofereceu melhores condições de trabalho para Matheus Sales, assim como o Vitória batalhou para receber a integralid­ade da multa rescisória do contrato de Marinho, evitando que o jogador deixasse o rubro-negro a qualquer preço. A Ponte Preta rejeitou oferta de R$ 9 milhões do futebol chinês por William Potker. A Chapecoens­e, mesmo tendo que se reestrutur­ar após a tragédia, não aceitou qualquer jogador como ajuda de outros clubes. Existe a ideia de fortalecim­ento da gestão nos clubes considerad­os fora do Sudeste do Brasil, o que possivelme­nte assusta aqueles que estão acostumado­s com uma histórica subserviên­cia.

A carreira de qualquer treinador depende, além de conquistas, do somatório de diversas caracterís­ticas cada vez mais exigidas no futebol atual. Para muitos no Brasil, o jogo de palavras ainda faz a diferença, como se fosse o suficiente para ter sucesso no comando de grandes clubes. É melhor ter um Fusca equilibrad­o do que andar de BMW com IPVA vencido e nas mãos de um motorista imprudente.

Existe a ideia de fortalecim­ento da gestão nos clubes considerad­os fora do Sudeste do Brasil, o que possivelme­nte assusta

aqueles que estão acostumado­s com uma histórica subserviên­cia

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