Só nos resta agradecer
Nos acostumamos aos gritos, caretas, mordidas na camisa, pulos, mãos na cabeça e ao rosto vermelho. Nos acostumamos a ter na quadra de vôlei o técnico Bernardinho. Mas, como tudo na vida tem um fim, essa era encerra seu ciclo agora. Depois de 22 anos, o carioca anunciou a sua “aposentadoria” da seleção. Por que entre aspas? Porque, como era de se esperar, ele não vai parar totalmente e segue no comando do Rio de Janeiro (Rexona-Sesc).
Foram mais de 30 títulos conquistados ao longo dessas duas décadas de carreira dirigindo as seleções brasileiras feminina e masculina. De 1994 a 2000, com a seleção feminina, ele conquistou três Grand Prix, três Campeonatos Sul-Americanos, um ouro no Pan-Americano de Winnipeg (1999), e duas medalhas de bronze nas Olimpíadas de Atlanta (1996) e de Sidney (2000). Com a seleção masculina ele foi além. De 2001 até o ano passado, Bernardo comemorou oito Sul-Americanos consecutivos, três Campeonatos Mundiais (2002, 2006, 2010), duas Copas do Mundo (2003 e 2007), oito Ligas Mundiais (2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2009 e 2010), uma medalha de bronze no Pan-Americano de Santo Domingo (2003), uma medalha de prata no Pan-Americano de Toronto (2015), além de duas pratas nas Olimpíadas de Pequim (2008) e Londres (2012) e dois ouros nas Olimpíadas de Atenas (2004) e do Rio (2016).
Tudo isso já seria motivo suficiente para que o técnico de 57 anos decidisse pendurar a prancheta com a consciência tranquila de que conquistou tudo o que foi possível em sua carreira. Mas nenhum dos títulos foi o estopim para a sua aposentadoria. Na verdade, acompanhar de perto um período difícil do amigo e técnico da seleção brasileira de canoagem, Jesus Morlán, o fez pensar na hora de parar. No início de novembro do ano passado, Morlán se sentiu mal e foi encontrado desacordado na casa da seleção brasileira de canoagem, em Lagoa Santa, Minas Gerais. Bernardinho foi um dos primeiros a ser contatado assim que o amigo foi encontrado e, logo depois, descobriu que o diagnóstico era de um tumor na base do cérebro. O próprio Bernardo já havia vivido algo parecido quando, em 2014, descobriu um tumor maligno no seu rim direito, retirado em uma cirurgia de urgência.
Reviver esse momento, dessa vez ao lado do amigo, fez o marido da ex-jogadora de vôlei Fernanda Venturini e pai do levantador Bruninho e das caçulas Júlia e Vitória colocar a família como sua única prioridade. Com toda razão, já que desde 1979 o seu primeiro “filho”, o voleibol, vem tomando a maior parte do seu tempo. “Existe um preço muito alto que a gente paga. Você não vê os seus filhos crescerem”, disse ele em entrevista para o Esporte Espetacular.
Um preço alto, pago com juros e correção. Afinal, não foi pouca a dedicação depositada nas duas seleções e nos clubes por onde passou. Na seleção masculina, onde ficou por 16 anos, Bernardinho criou uma marca e deu cara a um time vencedor, que soube constantemente incorporar novos talentos aos jogadores consagrados. Se tornou um ícone, um elemento do time para quem o público torcia mesmo não estando dentro da quadra. Agora ele volta a ser exclusivamente de Júlia, Vitória, Fernanda e Bruninho. Nós ficamos por aqui com o legado do técnico excepcional que, de acordo com o anúncio da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), vai continuar por perto como uma espécie de coordenador da seleção masculina e das categorias de base, onde ele já tinha um desejo antigo de trabalhar. Uma função ideal para alguém que já revelou grandes atletas.
E se bater aquela saudade, é só assistir pela televisão ou comprar um ingresso para alguma partida do Rio de Janeiro (Rexona-Sesc), que está disputando a Superliga Feminina e é o atual líder da edição 2016/2017. E, se isso não for suficiente, pode ir, também, para Tóquio, em 2020, e dar uma passada no ginásio do vôlei da próxima Olimpíada. Ele garantiu que vai estar por lá, dessa vez, nas arquibancadas.
Um tumor no técnico da seleção de canoagem fez
Bernardinho pensar em parar e se dedicar à família