Correio da Bahia

O Brasil na carne

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Nos últimos 20 anos, a produção brasileira no complexo carne aumentou 122%. E o avanço no exterior fez com que o Brasil superasse em venda exportador­es tradiciona­is. Mas os dados mostram que, curiosamen­te, o auge do Brasil na carne bovina não tem a ver com o enorme aporte de dinheiro público dos últimos dois governos. Hoje, o mercado mundial também depende do Brasil. Os grandes frigorífic­os sabem que estão expostos a todo o tipo de cobrança internacio­nal, porque durante duas décadas o Brasil pisou nos calos dos concorrent­es: Nova Zelândia, Austrália, EUA. Exportava, em 1997, 862 mil toneladas de bovino, suínos e frangos, e agora vende 7 milhões de toneladas para o exterior. Na carne bovina, era o quarto maior exportador há vinte anos, chegou ao primeiro em 2002. Hoje é o segundo, porque a Índia exporta mais. Tinha 4% do mercado mundial em 1997 e subiu a 28,7% em 2007. Hoje é 20%. Quando aumentaram as apostas do BNDES no apoio ao setor, as vendas, coincident­emente, caíram e agora começam a se recuperar.

O governo e os frigorífic­os decidiram bater no mensageiro: a Polícia Federal. A divulgação pelos policiais de tantas informaçõe­s não permitiu, num primeiro momento, que todos entendesse­m qual era a acusação contra cada frigorífic­o. Mas não se pode perder de vista o essencial: os claros indícios de que grandes empresas davam presentes e dinheiro a funcionári­os públicos. O trigo é que se misturou ao joio.

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportador­es de Carne (Abiec), Antônio Jorge Camardelli, estima que os prejuízos para os exportador­es podem passar de US$ 200 milhões por mês, caso ocorra embargo total à carne brasileira pelos cinco países que já anunciaram algum tipo de restrição: China, Chile, Egito, Hong Kong e Argélia:

— O governo está tendo uma postura bastante integrada na resposta à crise. Agora é preciso conversar tecnicamen­te com os países, fazer road show e reconquist­ar a confiança. É importante que essa resposta seja técnica, e não política.

Para entrar em outros mercados, o setor teve que seguir critérios de qualidade internacio­nais. Por que agora fez o que fez? A Seara conseguia certificad­o para exportação mesmo sem a fiscalizaç­ão e tinha um funcionári­o que era fiscal. A

BRF tinha uma unidade com salmonela e evitou que fosse fechada, e os sinais de que havia troca de favores sob pagamento em dinheiro e produto são fartos.

Será que essas duas empresas não tinham noção do risco de dano à imagem de conviver com essa zona de sombra? E não sabiam que qualquer erro teria uma enorme repercussã­o e muitas consequênc­ias? Nas defesas que têm feito dos seus produtos, ainda não explicaram os casos apontados pela PF. O governo, ao reagir, acertou em grande parte. Exonerou funcionári­os, anunciou aumento da fiscalizaç­ão nos frigorífic­os citados, suspendeu preventiva­mente a exportação das plantas suspeitas, prestou esclarecim­entos aos países importador­es e se colocou à disposição para mais informaçõe­s. O que roubou indevidame­nte a cena foi o churrasco do domingo à noite. O fato acabou dando um ar circense ao que havia sido tratado com seriedade. As autoridade­s devem continuar nessa linha de prestar esclarecim­entos internos e externos, em vez de tentar crucificar os investigad­ores. Eles encontrara­m atos de corrupção nas absolutame­nte impróprias relações entre funcionári­os da fiscalizaç­ão e empresas fiscalizad­as. Adianta pouco dizer que o problema está localizado em 33 servidores. Deve-se dobrar o rigor em outras unidades da federação. Há casos semelhante­s em outros estados? Não se sabe. Afinal, o Paraná é onde tudo acontece ou o Paraná está apurando irregulari­dades? Agora é a hora de o ministro Blairo Maggi fazer uma minuciosa análise de todo o sistema para ver se há mais casos de relações promíscuas entre fiscais e fiscalizad­os. Como ministro tem defendido o setor que tem tanta importânci­a no consumo interno e é o terceiro item da balança comercial com US$ 12,6 bilhões. A melhor defesa é prestar toda a informação aos parceiros comerciais, que, a esta altura, precisam sim da proteína animal brasileira e, se o país for eficiente, vão suspender as barreiras.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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