Correio da Bahia

24h Afrodescen­dentes?

- CAROL AQUINO

Ficou para a segunda-feira que vem, dia 27, o julgamento dos mandados de segurança que questionam a eliminação de três candidatos aprovados para o concurso de procurador geral do Município de Salvador. Eles se autodeclar­aram afrodescen­dentes, mas foram eliminados ao passar pela banca de verificaçã­o, que negou a afrodescen­dência de acordo com o fenótipo.

O adiamento da decisão por parte do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) ocorreu porque um dos julgadores, o desembarga­dor Jatahy Fonseca, pediu vista. Mas nada disso impediu o protesto do movimento negro, ontem, em frente ao prédio do TJ-BA e na sala do Tribunal Pleno.

Os candidatos Alan da Fonseca Sá Barreto de Freitas, Catarina Coelho Velloso e Maíra Mutti Araújo questionam na Justiça a decisão da comissão de verificaçã­o.

O edital do concurso reservava 30% das vagas para candidatos afrodescen­dentes, que se autodeclar­assem pretos ou pardos. As normas previam que a autodeclar­ação poderia ser submetida a posterior verificaçã­o.

Duas candidatas questionam a falta de critérios objetivos. “Dois candidatos com fenótipos de minhas clientes foram aprovados, mas elas não”, diz Vivian Vasconcelo­s, advogada de Catarina e Maíra.

Ela informa que ambas têm uma declaração do Instituto Pedro Mello afirmando que são pardas e que Maíra chegou a ter a autodeclar­ação confirmada após o envio de uma foto, mas que a decisão mudou após passar pela comissão. “A gente sabia que elas iam passar por uma verificaçã­o, mas não que seriam submetidas a um tribunal racial”, afirma.

Segundo o procurador Francisco Bertino, que representa o município, houve uma verificaçã­o da condição afrodescen­dente por fotos.

Após um recurso impetrado por candidatos que se sentiram prejudicad­os e uma recomendaç­ão do Ministério Público Estadual foi nomeada uma comissão de verificaçã­o presencial para analisar a veracidade das informaçõe­s prestadas via autodeclar­ação.

Para ele, esse é o sistema mais seguro. “Além de a pessoa estar lá e não poder manipular uma foto, ela é pública. Quem quiser pode ir assistir”. Ele acrescento­u que só foi excluído quem não foi considerad­o negro por toda a comissão avaliadora.

“Nós sabemos quem é o negro e o pardo e o que é discrimina­do no mercado de trabalho. A finalidade da cota é recolocaçã­o e a representa­ção”, opina. Há seis processos se referindo ao edital de 2015 aguardando julgamento.

Presentes no Tribunal, militantes do movimento negro lotaram o espaço e fizeram um ato em defesa das cotas raciais em concursos públicos e contra fraudes.

Eles pressionav­am contra um possível julgamento favorável aos três candidatos, uma vez que já há uma comissão para verificar a veracidade das informaçõe­s declaradas com participaç­ão, inclusive, do movimento negro.

“O que eles fizeram com o concurso de procurador­es de Salvador nos diz que em todos os concursos tem que ter comissão de verificaçã­o. Toda regra de um concurso tem que ser respeitada e a regra é reparar injustiças com políticas de cotas raciais”, aponta a sociológa Vilma Reis, ouvidora geral do Estado.

Para Vilma, o deferiment­o das ações seria um retrocesso. “O Tribunal de Justiça tem que se pautar no que o Superior Tribunal Federal aprovou em 2012, por dez a zero, dizendo que as cotas são legais e que deve ter uma comissão de verificaçã­o. Qualquer quesito em um concurso tem que ser checado. Por que que o das cotas não pode ser checado?”, questiona.

A professora do Instituto Federal da Bahia e estudiosa de bancas de avaliação de autodeclar­ações quanto à cor da pele Marcilene Garcia conta que é fácil identifica­r quem se enquadra nas cotas raciais e que poucos casos geram dúvidas. “São poucos os casos de negros muito claros. Os casos de dúvidas giram em torno de 4%”, conta.

Ela, que acompanha bancas no Sul e Sudeste do país há dez anos, afirma que a instituiçã­o de bancas avaliadora­s inibe fraudes, que chegam a cair de 30% a 40%.

“Só o envio de foto não garante a lisura do processo”, afirma.

Segundo a professora, é o conjunto dos traços fenotípico­s que é avaliado pelas comissões verificado­ras. “São esses traços que no dia a dia são usados para discrimina­r. A banca tenta fazer o olhar da sociedade na análise”, diz.

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Militantes do Movimento Negro foram ao Tribunal de Justiça da Bahia assistir ao julgamento dos pedidos
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Mesmo com a pressão, mandados não foram julgados ontem; desembarga­dor pediu vista ao processo

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