A terceirização do Estado
Um dos últimos países a abolir a escravidão, o Brasil mantém, em pleno Século XXI, os antigos traços de uma sociedade patrimonialista e desigual, na qual o público e privado parecem se confundir, de forma despudorada, principalmente nas relações promíscuas entre os líderes políticos e empresariais como estamos vendo com os desdobramentos da operação Lava Jato. A impressão que se tem, a partir da megadelação da Odebrecht, é de que o Estado brasileiro foi terceirizado para atender aos interesses do capital financeiro e ao apetite argentário de políticos corruptos e de partidos que transformaram a política na arte das negociatas, em prejuízo do povo brasileiro, quem, verdadeiramente, paga as contas pelos desmandos.
Dentre outros crimes, esse conluio de poderosos permitiu o financiamento de campanhas e coalizações eleitorais (o nefasto caixa 2) de elaboração de leis, como a edição de Medidas Provisórias, a compra de decisões dos Tribunais de Contas que deveriam fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos, de políticos, sindicalistas e quem sabe (só o futuro dirá) até de magistrados. Muito disso solapando as funções precípuas do estado.
Neste ambiente de promiscuidade endêmica entre agentes públicos e privados, imperam a burocracia, o nepotismo, os interesses escusos e a corrupção desenfreada. É o Estado criado para atender exclusivamente aos interesses privados. A Lava Jato está aí para comprovar e desvendar as entranhas dos grandes grupos econômicos, como, entre perplexos e indignados, temos visto com a enxurrada de denúncias que, semanalmente, escandalizam o Brasil.
A fim de corrigir e combater essas distorções, no campo privado, é imprescindível que as empresas, molas mestras do crescimento econômico de qualquer país, disponham de segurança jurídica no trato com o Poder Público, a fim de evitar trocas de favores, exigência de imorais contrapartidas e achaques extorsivos de gestores públicos. Para tanto, é imperativo que as empresas possuam mecanismos de controle e fiscalização dos seus dirigentes e colaboradores, além de um rigoroso programa de conformidade (conforme a lei), com manuais de ética e conduta, e treinamento especializado.
Com respaldo na Lei Anticorrupção, a existência de normas de compliance, ou conformidade, nas companhias, por si, lhe conferem credibilidade, segurança empresarial e estabilidade jurídica, reduzindo as possibilidades de penalização da pessoa jurídica e seus gestores em caso de eventual descumprimento das normas legais. Ressalte-se que a implantação dos programas de compliance é importante e bem visto no seio corporativo, posto que só se vislumbram retornos positivos na implementação desses programas com garantia de retorno econômico em médio e longo prazo.
Essa promiscuidade entre as esferas públicas e privadas, como assistimos estarrecidos no caso das empreiteiras, não passa de uma tentativa de terceirizar o Estado na tomada de decisões e atribuições que são intrinsecamente dele, como investir em saúde, educação, segurança e qualidade de vida, com lisura e transparência.