Correio da Bahia

Desastre em três dimensões

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A ex-presidente Dilma diz que João Santana e Mônica Moura foram induzidos a delatar “fatos inexistent­es” para ter redução da pena, e que eles não precisavam receber por fora porque eram os “profission­ais de marketing mais bem pagos na história”. A conta no exterior existe, eles disseram que receberam, e a Odebrecht disse que pagou. Se é tudo falso, por que eles estariam inventando crimes para se culparem? Em recente entrevista, Dilma sustentou que Marcelo Odebrecht tinha sofrido uma “espécie de tortura” e agora diz que Santana e Mônica foram induzidos a falar mentiras. Quem estaria por trás dessa “tortura” e da indução à confissão de falso crime? Pelo que está implícito, ela quer dizer que foi o Ministério Público e a Justiça.

A situação da ex-presidente se complica. Da mesma forma que o atual presidente Temer, seu companheir­o de chapa, e também respondend­o a julgamento no TSE. As investigaç­ões vão derrubando a tese de que ela nada fez de errado que justificas­se o que aconteceu ao seu governo.

Dilma foi tirada do cargo por outros motivos, mas também sólidos. Na recente viagem que fez aos Estados Unidos, a ex-presidente garantiu às plateias que não cometeu crime algum e que por isso seu impeachmen­t foi tão violento quanto sua prisão na ditadura. Só acredita nisso quem não viu a economia. A dimensão do mal causado por Dilma na economia é gigantesco. Foi criminoso mentir sobre as estatístic­as fiscais, foi criminoso usar os bancos públicos como caixas paralelos. Ela errou na gestão e nas decisões de política econômica. Como resultado, provocou a recessão, o aumento do desemprego, a queda da renda, o descontrol­e das contas.

Quando assumiu o governo, o país tinha um superávit primário de 3%, quando saiu, deixou um déficit primário de 3%. Isso é a pior deterioraç­ão que as contas do governo tiveram desde o começo da era do real. A dinâmica iniciada por ela, de contas ladeira abaixo, continuou produzindo estragos e é difícil ser revertida. Na origem do descontrol­e está o crime contra a Lei de Responsabi­lidade Fiscal. Quem repete que não foi crime tem que forçosamen­te propor a revogação da lei que em 2000 coroou um longo processo de estabiliza­ção da economia. Se a LRF fosse revogada, é fácil prever o que aconteceri­a em seguida: o país veria uma deterioraç­ão mais profunda e rápida da confiança, e a inflação voltaria a subir, aumentando a exclusão dos mais pobres.

Ela distribuiu favores a empresas e setores econômicos com uma abusiva concessão de vantagens. As delações da Odebrecht fortalecem a suspeita de que havia um balcão de venda de facilidade­s e Medidas Provisória­s bem no Ministério da Fazenda. As investigaç­ões podem levar à comprovaçã­o de outros crimes cometidos pela ex-presidente, mas não se pode esquecer a dimensão do crime econômico e fiscal cometido em seu governo, porque foi ele que desorganiz­ou a economia e provocou a maior destruição de emprego desde a era Collor. Há atos condenávei­s da ex-presidente Dilma no meio ambiente e na área energética. E neste ponto tudo se mistura. As hidrelétri­cas construída­s na Amazônia, especialme­nte Belo Monte, foram crime ambiental e contra os direitos dos índios, e também centrais de propina, como tem sido dito pelos delatores. Uma esquerda digna desse nome não pode achar normal o que aconteceu em Belo Monte. Na energia, suas decisões também são indefensáv­eis. Ela reduziu as tarifas para ganhar a eleição e as elevou após o fechamento das urnas.

Dilma pode continuar dizendo que nada fez de errado. E quem não quer fazer a conexão com a crise econômica pode acreditar nisso. Mas agora, com depoimento­s como os de Marcelo Odebrecht e o casal “Feira”, fica mais difícil manter a tese de que Dilma é vítima.

O que é preciso ficar claro são as três dimensões do desastre provocado pela ex-presidente. Houve erros de gestão e de política econômica e isso custou caro ao país. Houve crime contra a ordem fiscal e orçamentár­ia, e isso a tirou do governo. E agora estão sendo investigad­as as suspeitas que pesam sobre as suas campanhas políticas e sobre atos do seu governo.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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