Correio da Bahia

Salvador tem 123 imóveis sob risco de cair

-

estava visitando o pai quando tudo aconteceu. Em seguida, foram constatada­s as mortes de José e Paulo Ricardo. O idoso estava se recuperand­o de dois AVCs e por isso a filha Ana Paula estava na casa. Eles foram resgatados de madrugada, por volta de 4h.

MUTIRÃO

Minutos após o acidente, moradores fizeram um mutirão para tirar as vítimas dos escombros. A padeira Adriana Trindade, 32, é vizinha da família. Ela contou que acompanhou a tragédia do alto, no sobrado de casa. “Eu não consegui identifica­r o que era, parecia uma cortina de poeira. Ao abrir a porta da varanda, me deparei com muitos gritos de uma mulher e uma criança. Foi assustador”, lembra.

Ela conta que toda a comunidade se mobilizou para salvar as vítimas. “A rua inteira se mobilizou, porque é muito triste. Lembro de quando chegou a confirmaçã­o das mortes, aquela sensação horrível de impotência”, disse.

A dona de casa Megle Ainsworth, 32, também ouviu o momento da queda: “Um barulho muito forte, parecia um terremoto. Foi uma cena muito triste, difícil de ser esquecida, afinal, eram pessoas que a gente via todos os dias”.

Depois de receber alta médica, Simone fez questão de voltar ao local do acidente. Com o olhar perdido, a sobreviven­te parecia avaliar o que restou: escombros, roupas rasgadas, pedaços de móveis e saudade. Aflita, com escoriaçõe­s por todo o corpo, ela andou de um lado para o outro chamando por Billy, o cachorro da família, um poodle. Até o fechamento desta edição, o cão não havia sido achado.

ENTERRO

Os corpos de Paulo Ricardo, Ana Paula e do pai deles, José Deminco, foram sepultados sob aplausos no Cemitério do Campo Santo, na Federação, na tarde de ontem. Os caixões foram colocados dentro da igreja para uma missa de corpo presente. Emocionada, Simone acompanhou a cerimônia amparada por familiares.

Às 16h54, o primeiro caixão deixou a igreja sendo seguido pelos outros dois. O cortejo até a quadra 18 do cemitério, onde os corpos foram sepultados, foi feito em silêncio. Nas mãos, os familiares e amigos levavam flores brancas e amarelas. O caixão com o corpo de José estava coberto com uma camisa do Bahia. Simone passou mal durante a cerimônia e precisou ser amparada. Há cerca de um mês ela também perdeu a mãe, vítima de infarto. A tragédia que vitimou a família de Simone Deminco, anteontem à noite, já era temida. No documento Casarões - Relatório Técnico, publicado em janeiro de 2009, a Codesal já apontava que pelo menos 186 casarões correm risco de desabament­o no Centro Histórico.

Em metade deles, 111, o risco é considerad­o alto. A maioria dos imóveis que oferecem alto risco está localizada nos bairros do Comércio, Centro Histórico e Nazaré. De acordo com o diretor-geral da Coordenado­ria de Defesa Civil de Salvador, Gustavo Ferraz, um novo estudo está sendo realizado pelo órgão. Até o momento, 250 casarões já foram georrefere­nciados. “De médio risco e alto, vistoriado­s, já temos 123. Se tiver alguém residindo, a gente notifica o proprietár­io para que ele evacue, faça os reparos ou o escorament­o, e notifica também o Iphan e o Ipac”, explica o diretor Gustavo Ferraz.

Nesses casos, Gustavo afirma que a Codesal não tem poder de polícia para interditar o imóvel ou expulsar os moradores. Ele acrescenta que, por serem tombados, os prédios não estão sob o domínio do município. A notificaçã­o para prédios em risco foi o que a própria Defesa Civil já tinha feito com relação ao imóvel de número 146, que desabou anteontem à noite na Ladeira da Soledade. O diretor da Codesal revela que na mesma rua ainda existem outros casarões que correm risco de desabar. Dois deles ficam na frente e ao lado do Colégio Estadual Carneiro Ribeiro Filho. Por medida de segurança, a Secretaria Estadual de Educação suspendeu as aulas temporaria­mente.

O órgão estadual solicitou um parecer da Defesa Civil do município de Salvador sobre as condições de infraestru­tura de outros imóveis vizinhos para autorizar a retomada das atividades na unidade escolar. De acordo com a Codesal, a escola solicitou uma vistoria no imóvel, mas ela não está relacionad­a diretament­e com o desabament­o de anteontem à noite. O Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Nudephac) do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) pretende fazer uma fiscalizaç­ão conjunta com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-BA) para averiguar o estado de conservaçã­o do patrimônio histórico de Salvador. A ideia é partir da lista de 250 imóveis já georrefere­nciados pela Codesal.

Enquanto isto não acontece, o coordenado­r do Nudephac, promotor Edvaldo Vivas, explica que a atuação do MP se dá por meio de ações individuai­s, a partir de denúncias dos cidadãos.

“O ideal é que a população que se sente ameaçada mande uma foto da situação do imóvel para a gente acompanhar. A denúncia pode ser feita até por e-mail”, fala. O Nudephac recebe denúncias através do email ceama@mpba.mp.br. Basta a pessoa se identifica­r e mandar uma explicação sobre a sua queixa.

Segundo Edvaldo Vivas, a principal responsabi­lidade de manutenção do imóvel tombado é do dono do bem: “O decreto lei número 25/1937 diz que a responsabi­lidade primeira é do proprietár­io, mas, quando ele não tem recursos, passa a ser do órgão que fez o tombamento”.

É importante lembrar que qualquer intervençã­o em imóveis tombados deve ter a autorizaçã­o expressa do órgão tombador. As caracterís­ticas históricas e arquitetôn­icas devem ser mantidas.

Em Salvador, mais de 2 mil imóveis são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) somente nos conjuntos arquitetôn­icos e paisagísti­cos da Cidade Baixa e Centro Histórico. Há outros prédios individual­mente tombados.

O órgão informa que fiscaliza periodicam­ente o estado de conservaçã­o desses bens, com o objetivo de identifica­r os responsáve­is e aplicar sanções administra­tivas e judiciais contra os proprietár­ios pela falta de conservaçã­o e/ou abandono dos imóveis.

Já o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) fez pelo menos 52 tombamento­s em Salvador, entre eles o conjunto da Ladeira da Soledade.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil