Papel decisivo na criação da Nova República
EMOÇÃO
Um dos momentos emocionantes do culto foi o ofertório, quando os bisnetos do senador levaram até o altar objetos que relembraram a sua trajetória política e pessoal. Entre eles, uma miniatura do Pelourinho, cuja revitalização é considerada a maior obra na área cultural realizada no terceiro mandato de ACM como governador do estado nos anos 1990. Também foram exibidas fotos de sua vida política, ao som da música A Barca, cantada pelo Coral Ecumênico.
A cantora Márcia Short também levou emoção ao público, cantando a música Cristo Amigo, uma das preferidas do político. “Eu me senti em casa, cantando para um amigo. Isso que fiz aqui hoje já tinha feito em outros aniversários dele”, declarou. Coube ao cantor Tatau interpretar o Hino ao Senhor do Bonfim.
SESSÃO
As homenagens de ontem foram encerradas à noite, com uma sessão solene na Câmara de Vereadores, Casa que deu a ele o título de Prefeito do Século em 1970. Familiares, aliados e admiradores do político, falecido em 2007, também compareceram em peso ao evento.
Marcada pela emoção, a solenidade começou com um vídeo contendo imagens da campanha ao governo do estado de 1990, acompanhada do jingle ACM, Meu Amor. Em discurso, ACM Neto lembrou dos ensinamentos do avô e do legado deixado por ele. “Ele continua vivo, presente nas suas obras, mas também nos seus exemplos de coragem e amor pela Bahia”, discursou o prefeito de Salvador. Nem os principais observadores do poder no Brasil podiam imaginar o que se sucederia naquele 4 de setembro de 1984. Muito menos o efeito que a série de episódios desencadeados a partir daquele dia provocaria sobre os rumos do país. Enquanto se preparava para comemorar o aniversário de 57 anos, Antonio Carlos Magalhães, já considerado o mais influente político baiano, foi surpreendido por uma declaração do ministro da Aeronáutica do governo João Figueiredo à época, Délio Jardim de Matos.
Na inauguração do novo terminal de passageiros do aeroporto de Salvador e diante de jornalistas e aliados, o ministro chamou de “traidores” os dissidentes do PDS contrários à candidatura presidencial de Paulo Maluf, nome apoiado por Figueiredo. Integrante da ala anti-Maluf, ACM respondeu um tom acima. Foi o pontapé que faltava para fortalecer o oposicionista Tancredo Neves (PMDB) no Colégio Eleitoral.
Logo após o ataque do ministro, o ex-governador da Bahia convocou a imprensa para revidar. Disse que traidores eram aqueles que apoiavam um “corrupto para a Presidência”. Numa época em que a ditadura militar ainda afiava as garras contra adversários, a réplica acendeu o temor de uma ordem de prisão contra ACM. Correspondentes de grandes jornais rapidamente foram escalados para acompanhar os desdobramentos, mas o troco de Figueiredo não veio.
A inesperada passividade do presidente acelerou de vez o racha na base iniciado meses antes por ACM, Marco Maciel, José Sarney e Aureliano Chaves. Defensores da candidatura do ministro Mario Andreazza, eles desencadearam uma rebelião na cúpula do PDS, intensificada em agosto de 1984, a reboque da vitória de Maluf na convenção nacional do partido governista.
Impulsionado pelo gesto de ACM contra Jardim de Matos, o grupo dissidente deixou o PDS e fundou o Partido da Frente Liberal (PFL), transformado anos depois no
DEM. De imediato, o PFL se uniu à tropa de partidos aglutinados em torno da Aliança Democrática e fechou apoio a Tancredo Neves. Nos meses seguintes, o político baiano articulou diretamente votos dos parlamentares do Congresso para o candidato da oposição.
Deu resultado. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo venceu Maluf por 480 a 180, em eleição indireta. Seu papel é classificado até hoje como fundamental para a queda definitiva do regime militar e o nascimento da chamada Nova República. O protagonismo de ACM na história recente da política nacional se repetiria ainda nos anos seguintes.
As costuras que colocaram a Bahia no mapa da indústria automotiva, concentrada nas regiões Sudeste e Sul, só deram certo pela pressão sem tréguas imposta por ele junto ao Planalto e lideranças do Congresso. O que resultou na vinda da Ford para a Bahia no fim dos anos 1990, dentro de um pacote de isenções e benefícios fiscais atrativos para a montadora.
Desde então, outros estados do Nordeste também entraram na rota do setor automobilístico. Para ACM, garantir empregos e diversificar a cadeia produtiva do estado justificavam abrir mão de receitas com impostos. A criação do Fundo de Combate à Pobreza, verba que garantiu a existência do Bolsa Família, também só virou realidade pelos seus esforços como presidente do Senado.
O reconhecimento da influência de ACM ultrapassava fronteiras, incluindo de campos ideologicamente opostos ao seu. Em suas visitas à Bahia, o líder cubano Fidel Castro costumava passar horas conversando com ACM na residência do político. Para desgosto, claro, da esquerda.