Correio da Bahia

Mil bocas e nenhum ouvido

-

O Centro de Convenções da Bahia (CCB) desabou em 23 de setembro de 2016, pouco antes das 21h. Hoje, um ano depois, o que restou do que outrora foi tido como vetor de desenvolvi­mento econômico para Salvador difere muito do prédio que, por anos, ajudei a encher de congressos, gente e vida.

Captar eventos para o CCB nunca foi tarefa fácil, mas, convenhamo­s, parti-lo em pedaços foi façanha ainda maior. Apesar dos seus pesares, o CCB acomodava, amiúde, eventos de três mil, quatro mil pessoas, e registrou, em 2010, o maior evento científico já sediado em Salvador: o Congresso Mundial de Odontologi­a, com dez mil participan­tes do mundo todo. Eventos assim ativavam por inteiro a vasta cadeia produtiva do turismo, mas até acontecere­m, haja labuta, paciência e visão.

Vejamos: em 2004, Salvador foi oficialmen­te confirmada como sede do Congresso Mundial de Avicultura, evento com mais de quatro mil participan­tes que gastariam, em média, 300 dólares, por dia, na capital baiana. Captado em 2004, o evento foi programado para oito anos depois! É o que acontece com quem se planeja e enxerga além da folhinha eleitoral. Em 2012, o evento aconteceu, de fato, no Centro de Convenções da Bahia (R.I.P.) e foi sucesso de público, crítica e arrecadaçã­o.

Esse é apenas um dos mais de 800 eventos que, ao longo de 11 anos (2002 a 2013) em que trabalhei na captação de eventos técnico-científico­s, trouxeram para Salvador mais de 1 milhão de visitantes e movimentar­am mais de 828 milhões de dólares em nossa economia. Nessa pisada, conseguimo­s firmar Salvador como a 3ª melhor cidade brasileira para eventos internacio­nais e ajudamos, e muito, o Brasil a ser o 1º (e até hoje único) país latino-americano entre os 10 do ranking mundial de eventos internacio­nais. Resultado do esforço conjunto de muitos para ver o evento acontecer na cidade, mesmo que anos à frente.

Tudo ruiu: Salvador amarga, hoje, a 8ª posição nacional com viés de baixa; o Brasil está longe do Grupo dos 10; o Centro de Convenções, qual Terezinha de Jesus, foi ao chão; e, no lugar de profission­ais comprometi­dos, vemos inoperânci­a, desleixo e falta de visão. Com míseros cinco eventos internacio­nais registrado­s em 2016 - e provavelme­nte nem isso em 2017 - a cidade regrediu à marca de 1999.

A ruína em que se tornou o CCB não apaga da memória as multidões que ali passaram durante congressos como os mundiais de Serviço Social, o da ONU contra as Drogas e o Crime, e dos congressos brasileiro­s de Cardiologi­a, de Dermatolog­ia ou mesmo o Congresso de Ginecologi­a e Obstetríci­a, embora esse último não seja bom lembrar...

O CCB em frangalhos, o abandono da área urbana em todo seu entorno e Salvador alijada do circuito internacio­nal de eventos formam um monumento às avessas que afugenta negócios e desenvolvi­mento, em vez de atraí-los. É uma ode à incapacida­de da cidade em recuperar, nos próximos cinco anos, pra dizer o mínimo, tudo que se perdeu. Mesmo desmantela­do, o CCB é uma prova de que captação de eventos com oito anos de antecedênc­ia é incompatív­el com folhinhas que só marcam até quatro anos à frente.

Passado um ano do colapso, enquanto todo um setor agoniza e agonizará por alguns bons anos à frente, seguimos com mil bocas e nenhum ouvido discutindo o melhor lugar para o novo Centro de Convenções da Bahia.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil