Queermuseu. A volta da Idade das Trevas
O fechamento de uma exposição patrocinada pelo banco Santander, em Porto Alegre, revela mais uma vez que estamos num rumo incerto. A “Patrulha Ideológica” volta com muito mais força do que nos anos da ditadura militar ou depois do fim da ditadura militar, época em que era preciso pensar direito o que se iria cantar, falar ou publicar. Agora, com a massificação das opiniões face ao poder das mídias sociais, a “Patrulha Ideológica” vem com a força de uma pandemia. O que vemos, vivenciamos e sofremos é que, muitas das vezes, ou na maior parte do tempo, o obscurantismo tem ganhado espaço, poder e vitória.
Gosto não se discute é uma afirmação já banal, mas que traz embutida toda a sua verdade. Mas o patrulhamento agora é amalgamado pelo poder da internet, com grupos de pensamento atrasado se unindo e adquirindo poder de veto, seja por massificação da opinião ou pelo poder do arregimentar e partir para a ação coletiva presencial.
A Queermuseu foi aberta ao público no dia 15 de agosto. Toda sua proposição visava a exploração da diversidade de expressão de gênero. Tinha o conceito do diferente na cultura e na arte em várias fases da produção da arte. Seu modelo é único e aglutinava mais de 270 peças de quase 90 artistas que criaram suas obras “diferentes” e “diversas” desde o século passado até os dias atuais.
Enquanto as obras estavam diluídas, esparsas em coleções particulares e públicas, e não faziam um conjunto, não chamaram a atenção para sua ótica sobre as diferenças sexuais ou filosóficas. A partir do momento que virou uma exposição coletiva adquiriu conotação de coisa do diabo, do belzebu.
A ação de grupos retrógrados voltou a atingir a chamada liberdade de expressão que passou a considerar que a exposição era uma apologia à pornografia, pedofilia e outras observações. Claro que a liberdade de expressão não pode ir de encontro à Constituição, às leis, mas liberdade é liberdade e se você não gosta da obra, da arte, simplesmente ignora e critica. Mas chegar ao ponto de obrigar o fechamento de uma galeria, museu, ou seja lá que espaço seja, porque você ficou chocado é... chocante.
Vai quem quer. Não vá. Fica claro que as pessoas que obrigaram o Santander a camuflar a exposição jamais estiveram num bom museu. Imagine essas pessoas indo visitar o Museu do Vaticano, onde boa parte das obras representa a convivência entre adultos, crianças, velhos, mulheres, feios, bonitos, aleijões, nas mais desatinadas posturas. Onde o nu impera. Se for num museu como o de Reina Sofia vai ficar chocado com a arte exposta composta por grandes ícones. Se for no Museu do Prado vai querer tocar fogo nas obras de Bosch, El Greco, Goya, Tintoreto, Cartavaggio, Velázques e tantos outros que fizeram com sua arte o ser humano diferente dos animais.
O que estamos vivendo neste período do novo patrulhamento ideológico é um claro processo de opressão. Estão ganhando no grito contra o humanismo e contra a vivência ou convivência culta. Os ignorantes estão ganhando no grito. O obscurantismo está vencendo de novo. As trevas da Idade Média pairam sobre a arte e o pensamento. O Santander acovardou-se quando jogou um pano preto sobre os quadros.