24h Espetáculo com Jesus travesti é suspenso
CENSURA O espetáculo teatral O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, que integra a programação do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (Fiac), teve sua apresentação suspensa no final da tarde de ontem. A decisão partiu de uma liminar concedida pelo juiz Paulo Albiani Alves, da 12ª Vara Cívil de Salvador, e impediu que a Fundação Gregório de Mattos(FGM), administradora do Espaço Cultural da Barroquinha, onde a peça seria apresentada, a exibisse. Protagonizado pela atriz e ativista Renata Carvalho, que é transexual, a montagem questiona o que aconteceria se Jesus voltasse ao mundo na pele de uma travesti. O espetáculo – que chegou a ser exibido na noite de quinta – é uma mistura de monólogo e contação de histórias em um ritual que traz Cristo ao tempo presente. A direção é de Natalia Mallo. Procuradas pela equipe do CORREIO, a protagonista e a diretora afirmaram que só se manifestariam hoje, depois que se informassem melhor sobre a questão. Vale salientar que a peça também foi proibida no Sesc Jundiaí (SP), em circunstâncias muito parecidas com as de Salvador. De acordo com o presidente da FGM, Fernando Guerreiro, a liminar chegou estrategicamente depois das 17h, impossibilitando qualquer movimento para derrubá-la. “Só na segunda-feira, poderemos fazer algo para impedir a continuidade desse movimento absurdo de censura”, disse Guerreiro. Com 40 anos de carreira, o diretor se disse chocado com a iniciativa. “A classe artística e a sociedade precisam frear essa movimentação de censura que tem repercussões gravíssimas, não só para a classe artística, mas para a liberdade democrática”, completou. Surpreso com a decisão, o presidente da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Garbelotto, afirmou que, numa análise preliminar e superficial, a primeira impressão é que a decisão foi mal fundamentada e pautada num caráter de censura. “Não sou conhecedor de religiões, mas acredito que as pessoas possuem liberdade de acreditar num Cristo que melhor se aproximar da sua fé, seja ele cisgênero ou transgênero”, completou. Na decisão, o juiz destaca que as partes autoras “se sentiram ofendidas quanto a sua ideologia religiosa cristã” e isso teria violado seus direitos. A liminar afirma que a laicidade do Estado significa que se deve “proteger amplamente a liberdade religiosa”, na esfera pessoal e também pública. “Um Estado não deve tentar impedir a vivência religiosa do povo, especialmente o Cristianismo, com uma ação hostil ao fenômeno religioso e a tentativa de encerrá-lo unicamente na esfera privada”, afirma o juiz. Segundo ele, não se pode permitir que se eliminem “símbolos/crenças religiosos mais tradicionais do povo, com narrativas debochadas e fantasiosas, como que lhe arrancando as raízes”. Ele determina ainda que, caso a liminar não fosse cumprida, a multa diária seria de R$ 1 milhão, em favor das partes autoras.