O papel que cabe a cada um
O ressurgimento em escala progressiva das mortes causadas por febre amarela no Brasil traz como importante reflexão a necessidade de cada setor da sociedade cumprir o papel que lhe cabe em momentos de perigo. No caso específico da proliferação da doença, é responsabilidade do Poder Público, em suas mais variadas esferas, disponibilizar vacinas para imunizar a população e realizar campanhas educativas. Isso foi feito. De maneira igual, é obrigação das pessoas, sobretudo as que residem em áreas de risco, se vacinarem. E isso efetivamente não vem sendo feito como deveria.
Um dos quatro estados que inspiram mais cuidados por parte do Ministério da Saúde, junto com São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, a Bahia exemplifica bem o desleixo da população frente a algo de tamanha magnitude. O que é facilmente constatado nos números apresentados em reportagem do CORREIO sobre a cobertura vacinal contra a febre amarela, publicada na edição da última quinta-feira.
A radiografia matemática apresentada pela repórter Carol Aquino explica muito sobre o papel não cumprido por parte importante na cruzada para conter a proliferação do vírus e impedir que ele faça novas vítimas. Até o fim da semana, a Bahia ainda estava longe de atingir a meta de vacinar 95% da população nos 105 municípios com alerta para a doença. Restavam nada menos que 2,6 milhões de pessoas para concluir o objetivo, sendo 1,3 milhão em Salvador.
O que torna o quadro grave é que há vacinas nos postos em quantidade adequada para a ação emergencial planejada pelo Ministério da Saúde, estado e municípios. No entanto, essa atenção parece não ter sido suficiente para acordar os despreocupados. Isso só começou a ocorrer quando a Bahia registrou a primeira morte por febre amarela na recente onda de casos no país.
Bastou que o óbito ganhasse as páginas e telas da imprensa para que a procura por vacina aumentasse de forma exponencial nos postos de saúde. Apenas na capital, o salto foi de 691%, pulando das 396 doses aplicadas por dia para 5.778, no rastro da morte confirmada. Óbvio que a demanda reprimida provocaria problemas no atendimento, mas não precisava ser assim.
Desde meados de 2017, a febre amarela urbana apontava sinais de retorno, quando começaram a aparecer os primeiros macacos infectados nos estados hoje em alerta, incluindo a Bahia. Nos países mais desenvolvidos, sinais como esse seriam mais que motivo para que a população buscasse se imunizar antes que uma eventual epidemia surgisse no horizonte.
No entanto, a imensa maioria dos brasileiros ainda mantém três dos vários traços que caracterizam o cidadão comum do país: a mania de culpar governantes por problemas dos quais também tem sua parcela de responsabilidade, deixar tudo para última hora ou se mover apenas em momentos de crise aguda, em que diminuem as chances de reverter determinados quadros de natureza complexa.
Não é de hoje que a publicidade de órgãos oficiais alerta para o papel da sociedade no combate ao Aedes aegypti, vilão da febre amarela, além da dengue, zika e chikungunya. O que anda faltando é o cidadão entender de uma vez que parte da solução passa, em grau considerável, pelo movimento dos indivíduos e das comunidades.