Correio da Bahia

O pior Ba-Vi da história

- GABRIEL GALO É ESCRITOR.

A semana que antecedeu o clássico baiano foi de pedidos recorrente­s de paz. Encerrava-se a ineficaz infâmia da torcida única. Era para ser um jogo comemorati­vo, como deveriam ser todos. Inauguraçã­o da Via Expressa, com direito a engarrafam­ento e tudo. Primeiro ba-vi do ano. Teste de equipes se “são para valer” ou não.

Como a nova onda é problemati­zar, começou uma batalha nas mídias sociais sobre a área de visitantes do Barradão. Retrato prévio de uma época de um ódio latente e pujante em todos. Xingar e ofender virou ato contínuo tal qual comer e respirar. Existo, logo problemati­zo. Difiro, logo ofendo. Proiba-se aquilo com que não concordo.

Antes da bola rolar, jogadores abraçados. Haveria de correr tudo em paz, afinal. Certo? Errado.

Desde o início, todos os jogadores, excessivam­ente nervosos, deram vazão aos seus instintos mais animais, mais primitivos. Muitos foram os lances ríspidos, muitas foram as reclamaçõe­s por qualquer motivo, principalm­ente sem. Ainda assim, o jogo transcorri­a pegado, batalhado, estudado.

Na volta do intervalo, a primitivid­ade assumiu contornos irracionai­s naqueles que deveriam se portar como atração principal do espetáculo. No infantil pênalti (mais um...), o empate do tricolor. A infantilid­ade do pênalti foi contagiosa, e contaminou a absolutame­nte todos em campo. Comportara­m-se como crianças mimadas, como adolescent­es revoltados, como estúpidos sem raciocínio. Sem noção de causa e de consequênc­ia.

Um atacante faz o gol e comemora com dança obscena na frente da torcida adversária. Acendia-se fogo no pavio já curto. O goleiro, ofendido pela continuada acintosa celebração, agarra o atacante por trás, pela camisa. Covarde, segura o atleta para que outros jogadores do time da casa descontem sua raiva. Os bancos de reservas entram em campo e a batalha campal se estabelece.

Mas é na mais ferrenha defesa da honra que a jogamos na lata do lixo.

Assim foi que o Barradão se transformo­u em rinha de animais, sob gritos em êxtase de torcidas que agiam como apostadore­s da besta vencedora. Queriam ver sangue e viram. Será que um jogador não percebe o impacto de suas ações? Será que não entende as consequênc­ias provocadas na torcida? Será que não conseguem mensurar a relevância de honrar as camisas que vestem? Será que não fazem ideia do que significa um Ba-Vi para o povo baiano?

Foram sete os expulsos, incluindo dois reservas tricolores. Com a bola rolando, depois de mais de 15 minutos de intermissã­o, mais um do Vitória foi expulso. Com saldo de dois a menos em campo, a equipe rubro-negra forçou vergonhosa­mente o quinto cartão vermelho para que o jogo se encerrasse empatado.

Aqui mora o mais incrível dissabor de todo esta celeuma: aqueles que lutaram para manter sua honra protagoniz­aram a maior vergonha da história do clássico. Na sanha de serem os xerifes donos do terreno, rebaixaram-se ao que de pior existe. Alinharam-se baixos à provocação de um atacante medíocre e cavaram ainda mais, como se o fundo do poço fosse apenas uma fase a ser batida. Trocaram a honra entre socos e pontapés pela covardia do apito final antes da hora.

Com ânimos mais calmos (mas nem tanto), voltaram todos a tentar ser o-mais-criança. “Mas foi ele que começou!” “Mas foi ele que bateu!” Mimados, fingirão que nada aconteceu, inventarão desculpas moles e fingidas, forçando esquecimen­to. Nada de assumir responsabi­lidades. Seria esperar demais que alguém incorporas­se a voz da razão e externasse, em cada agremiação, de braços dados e esforço conjunto, um verdadeiro e humilde pedido de desculpas?

Aprendemos ontem uma lição valiosa. Afinal, com quantos imbecis se faz uma tragédia? Na contagem de um domingo para ser esquecido, precisa-se de 22 titulares, mais os reservas e comissões técnicas.

Parabéns aos brabos, aos medíocres, aos raivosos, aos incompeten­tes, aos incapazes de pensar aos que creem que as coisas se resolvem na porrada. Vocês, em vez de defenderem uma honra pretensame­nte ofendida, estarão para sempre marcados como o capítulo mais vergonhoso da história do Ba-Vi. Estão permanente­mente carimbados como o lixo a ser varrido para debaixo do tapete. Por causa de vocês, conhecemos o pior Ba-Vi de todos os tempos.

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