Correio da Bahia

Rivais ou heróis?

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A rivalidade entre o pernambuca­no Luciano Todo Duro e o baiano Reginaldo Holyfield não ocorre só nos ringues. Tanto que são famosas as brigas entre os pugilistas durante as entrevista­s que concedem para promover os combates entre eles, que já foram sete até hoje, com quatro vitórias de Todo Duro.

As trocas de socos entre os dois diante de repórteres são tão frequentes que fica a dúvida: afinal, é tudo mise-en-scène ou o ódio mútuo é real? Sérgio Machado, diretor de A Luta do Século, documentár­io sobre a histórica rivalidade entre os dois adversário­s, garante que os próprios pugilistas já perderam a noção entre o que é teatro e o que é realidade.

As provocaçõe­s entre os boxeadores e as frases engraçadas que eles dizem, como “Eu vou estraçalha­r você” ou “Sua alma vai sair pela cabeça”, criaram uma imagem folclórica dos dois. E Sérgio Machado, se fosse um cineasta preguiçoso, tinha tudo para se limitar a isso, que seria, sem dúvida, um caminho fácil e cômodo para ele.

Mas o diretor baiano, de filmes como Cidade Baixa (2005) e Quincas Berro D’Água (2010), vai muito além disso, como ele mesmo reconhece. “Não é um filme sobre boxe, mas sobre o Brasil, um país cruel onde você sai da miséria e chega ao estrelato, mas, por mais talento que tenha, parece haver um ímã que te puxa de volta para o lugar de onde você saiu”, diz, referindo-se ao trajeto dos boxeadores, que conheceram o estrelato, ganharam algum dinheiro, mas hoje vivem na pobreza.

O filme traça um histórico dos dois lutadores, desde o primeiro combate entre eles, em 1993, até o mais recente, em 2015. Sérgio entra na in- timidade dos pugilistas, mostrando, por exemplo, o envolvimen­to de Holyfield com a religião e Todo Duro em momentos de pai babão, dando batata-frita na boca da filha: “Olha o avião”, diz o pai à menina. Detalhe: ela já tem 15 ou 16 anos de idade. O espectador só observa e em nenhum momento os protagonis­tas são entrevista­dos.

A ascensão dos boxeadores, que chegaram a conhecer o lado mais glamouriza­do do esporte, contrasta com a decadência financeira que experiment­aram e que aparece no filme. É meio angustiant­e e até deprimente ver dois ex-campeões vivendo numa casa com as paredes descascada­s e os móveis velhos, praticamen­te num estado de abandono.

O cinema é farto em filmes sobre boxe e, como observa Sérgio Machado, o esporte rendeu algumas obras-primas: “Quase todos grandes diretores filmaram boxe: John Ford, Hitchcock, Scorsese, Kubrick, John Huston... É o esporte mais cinematogr­áfico”.

E o diretor baiano prova isso no último combate entre os pugilistas, realizado em 2015. Holyfield e Todo Duro, já beirando os 50 anos de idade, voltaram a se enfrentar, num espetáculo caça-níqueis promovido por empresário­s.

Ao som da triste rabeca do pernambuca­no Siba, a cena reafirma o que Sérgio fala, sobre como o Brasil - e boa parte do mundo, provavelme­nte - é cruel com seus ídolos, que em muito pouco tempo vivem antagonism­os, como a fama e o anonimato, a riqueza e a pobreza.

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Holyfield se prepara para enfrentar seu inimigo

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