Os excluídos dos apps
Franciele voltava para casa de Uber e o motorista insistia em desviar o caminho. “Um lugar onde possamos conversar melhor”, sugeriu. Já Luiza saía da Pituba para o Garcia e o condutor perguntou: “Posso buscar minha filha antes?”. Num terceiro caso, João Victor decidiu vestir uma saia e, ao entrar no veículo, o motorista olhou de maneira preconceituosa. Os três denunciaram os episódios quando chegaram aos destinos.
Nos últimos três meses, as respostas às queixas são comprovadas em números: 482 motoristas de aplicativos de transporte foram excluídos pelas plataformas - mais de cinco bloqueios por dia.
O cálculo é do Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter), somente com base nos motoristas bloqueados que procuraram a entidade entre os meses de janeiro e março, em Salvador. Ou seja, o número pode ser maior. No ano passado, o Simactter somou, a pedido da reportagem, 902 demitidos - o equivalente a duas exclusões diárias.
“Eu acho que é uma extensão do que as mulheres passam no dia a dia. Essa violência toda”, diz Franciele Luz, 18. A estudante de Jornalismo Luiza Lopes, 20, continua assustada pela vulnerabilidade que sente nos carros disponibilizados por aplicativos. E a João Victor Tourinho, 22, coube o estorno de R$ 5. “O motorista ainda jogou o troco nas minhas mãos sem ao menos olhar pra mim, como se eu não existisse”, diz.
As principais queixas dos usuários dos aplicativos ouvidos pelo CORREIO variam de assédio moral e sexual a constrangimentos como mudança da rota sem aviso prévio.
Na última segunda-feira, a maquiadora e atendente de caixa Mayane Neres, 19, utilizou o Instagram para denunciar outro caso de insegurança. O motorista, segundo ela, não aceitou a rota sugerida e teria dito, quando ela finalmente desceu do carro, no Itaigara: “Não foi dessa vez, mas a gente ainda vai se bater”. Bloqueado do aplicativo 99Pop, ele nega a acusação, e o sindicato anunciou ontem uma ação contra Mayane, no Juizado Especial Cível, no Fórum do Imbuí, por danos morais e financeiros.
De acordo com o presidente do Simactter, Átila Santana, a jovem entrou em contradição durante uma entrevista a um canal de TV. “Ela mudou a versão. Estamos entrando com essa ação pela criação de um factoide que acabou com o motorista banido do sistema. O que ela cometeu foi um crime e estamos pedindo um reparo”, explica.
“Ainda vamos estudar a possibilidade de exigir a exclusão dela do aplicativo 99 como usuária, em equiparação à penalidade que foi imposta ao motorista, em razão da 99 presumir a culpa do mesmo”, afirmou Átila.
Mayane disse que já tem advogado. “O presidente do sindicato tem visibilidade e, por isso, postou no Instagram. Me senti detonada. Não teve explicação. Ele está fazendo isso para ganhar dinheiro. Só eu, enquanto mulher, sei o que passei, como fui tratada. E ele ainda abriu um processo contra mim?”, desabafou a jovem.
Além dos usuários, muitos motoristas bloqueados se queixam da falta de explicações. Ao ficar desempregado, o ex-técnico de edificações Manoel Rodrigues, 60, decidiu dirigir pelo Uber, mas, segundo ele, descobriu a exclusão do dia para noite: “Não me lembro de nenhuma discussão com clientes. Até recebia elogios”. Com Marcelo Gomes, 39, a Uber informou que o motivo da exclusão foi o excesso de cancelamentos por parte dos clientes. “Mas o que eu tenho a ver com isso?”.
As plataformas disseram que o processo de exclusão ocorre a partir das políticas de segurança e do código de conduta adotados. Sobre o perfil dos interessados, são analisados: a Carteira de Habilitação (é preciso ter licença para exercer atividade remunerada), os antecedentes criminais e as informações sobre o carro. O 99Pop diz não divulgar, por questões estratégicas, o número de motoristas cadastrados na Bahia. Mas a Uber informa, no estado, a existência de 18 mil condutores autorizados – no Brasil, são 500 mil.