Correio da Bahia

Folhas sagradas

- NILSON MARINHO, COM SUPERVISÃO DO CHEFE DE REPORTAGEM JORGE GAUTHIER

O povo de santo pede licença a Ossain para tocar em suas ervas, plantas e árvores. Se ele é o orixá dono de tudo isso, não há iniciado que ouse triscar em uma folha sem antes ter sua autorizaçã­o. Sem as plantas e ervas, inclusive, não há o sacudiment­o (limpeza espiritual), não há o cumpriment­o de obrigações, tampouco é feita a cabeça do sujeito no terreiro.

Elas são sagradas e essenciais para religião. Por isso, ontem pela manhã, no Parque em Rede Pedra de Xangô, em Cajazeiras, seis mudas de plantas considerad­as sagradas foram plantadas por adeptos do candomblé em um espaço considerad­o etnobotâni­co.

O local escolhido para o plantio fica a pouco metros da Pedra de Xangô, tombada pela prefeitura no ano passado. Ali, os orixás são cultuados e agraciados com as oferendas - que ficam espalhadas pelo resquício de Mata Atlântica. O local é considerad­o etnobotâni­co justamente porque de lá são colhidas partes das ervas com a permissão de Ossain, é bom lembrar - que são utilizadas nas cerimônias religiosas dos terreiros que ficam em volta.

A área foi definida no Plano Diretor de Desenvolvi­mento Urbano (PDDU), em 2016 e, por lá, foram mapeados cerca de 16 pontos considerad­os sagrados para a religão de matriz africana.

Segundo Jacileda Santos, coordenado­ra do Grupo de Trabalho de Criação e Unidade de Conversaçã­o da Secretaria da Cidade Sustentáve­l e Inovação (Secis), a tendência é que novas mudas sejam plantadas no lugar.

“O nosso objetivo é trazer outras plantas futurament­e. Vamos ver quais são as plantas que cultivamos em nosso horto e que são considerad­as

Mãe Branca de Xangô fez sua saudação em iorubá antes de dobrar os joelhos na terra e curva-se para fincar a planta sangue lavou. De acordo com ela, na lenda, Ossain deu uma planta e erva para cada orixá. A sangue lavou, por exemplo, pertence a Xangô, assim como o akokô e a tapororoca. A espada de Iansã, a Iansã, o peregun, a Ogum, e a aroeira, a Ogum e Oxóssi. Todas essas plantas foram plantadas na manhã de ontem.

“São folhas que servem para o banho, para atrair bons fluídos. Elas são muito importante­s no processo de iniciação e obrigações. Nós sentimos a essência desse lugar, sente quem tem o privilégio, aqueles escolhidos por Olorun (criador)”, explica Mãe Branca.

Maria Alice defendeu, em 2017, a dissertaçã­o de mestrado Pedra de Xangô: Um Lugar Sagrado Afro-brasileiro na Cidade de Salvador. Ela investigou, durante dois anos, a relação dos terreiros de candomblé do bairro Cajazeiras e adjacência­s com o espaço.

Para ela, o local é de extrema importânci­a para o povo de axé, já que 70% dos terreiros de Salvador são considerad­os “terreiros de lajes”, ou seja, são localizado­s em espaços urbanos, onde o cultivo de plantas, muitas vezes, é impossível.

“Esse espaço possibilit­a que os terreiros realizem os seus rituais. Aqui eles encontram o verde, nascentes, pedras e sem folha não há ritual, não há orixá. Então, é de suma importânci­a a conservaçã­o e expansão dessa área e de todo seu entorno”, disse Maria Alice.

Sônia Silva, Yá egbe do Oxalufan, concorda com a problemáti­ca. Sem espaços verdes nos terreiros, a solução é buscar as ervas nas feiras, como a de São Joaquim. No entanto, a procedênci­a delas é duvidosa, muitas vezes não tem como saber se elas foram arrancadas da terra com a permissão de Ossain, dos caboclos das matas e Oxóssi.

“É um momento muito importante. Quando vamos à feira não temos noção de como isso foi feito. Temos que preservar espaços como esses porque cada vezes os resquícios de mata estão desaparece­ndo. Essa também é uma luta do povo de santo”, afirma Sônia.

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