Folhas sagradas
O povo de santo pede licença a Ossain para tocar em suas ervas, plantas e árvores. Se ele é o orixá dono de tudo isso, não há iniciado que ouse triscar em uma folha sem antes ter sua autorização. Sem as plantas e ervas, inclusive, não há o sacudimento (limpeza espiritual), não há o cumprimento de obrigações, tampouco é feita a cabeça do sujeito no terreiro.
Elas são sagradas e essenciais para religião. Por isso, ontem pela manhã, no Parque em Rede Pedra de Xangô, em Cajazeiras, seis mudas de plantas consideradas sagradas foram plantadas por adeptos do candomblé em um espaço considerado etnobotânico.
O local escolhido para o plantio fica a pouco metros da Pedra de Xangô, tombada pela prefeitura no ano passado. Ali, os orixás são cultuados e agraciados com as oferendas - que ficam espalhadas pelo resquício de Mata Atlântica. O local é considerado etnobotânico justamente porque de lá são colhidas partes das ervas com a permissão de Ossain, é bom lembrar - que são utilizadas nas cerimônias religiosas dos terreiros que ficam em volta.
A área foi definida no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), em 2016 e, por lá, foram mapeados cerca de 16 pontos considerados sagrados para a religão de matriz africana.
Segundo Jacileda Santos, coordenadora do Grupo de Trabalho de Criação e Unidade de Conversação da Secretaria da Cidade Sustentável e Inovação (Secis), a tendência é que novas mudas sejam plantadas no lugar.
“O nosso objetivo é trazer outras plantas futuramente. Vamos ver quais são as plantas que cultivamos em nosso horto e que são consideradas
Mãe Branca de Xangô fez sua saudação em iorubá antes de dobrar os joelhos na terra e curva-se para fincar a planta sangue lavou. De acordo com ela, na lenda, Ossain deu uma planta e erva para cada orixá. A sangue lavou, por exemplo, pertence a Xangô, assim como o akokô e a tapororoca. A espada de Iansã, a Iansã, o peregun, a Ogum, e a aroeira, a Ogum e Oxóssi. Todas essas plantas foram plantadas na manhã de ontem.
“São folhas que servem para o banho, para atrair bons fluídos. Elas são muito importantes no processo de iniciação e obrigações. Nós sentimos a essência desse lugar, sente quem tem o privilégio, aqueles escolhidos por Olorun (criador)”, explica Mãe Branca.
Maria Alice defendeu, em 2017, a dissertação de mestrado Pedra de Xangô: Um Lugar Sagrado Afro-brasileiro na Cidade de Salvador. Ela investigou, durante dois anos, a relação dos terreiros de candomblé do bairro Cajazeiras e adjacências com o espaço.
Para ela, o local é de extrema importância para o povo de axé, já que 70% dos terreiros de Salvador são considerados “terreiros de lajes”, ou seja, são localizados em espaços urbanos, onde o cultivo de plantas, muitas vezes, é impossível.
“Esse espaço possibilita que os terreiros realizem os seus rituais. Aqui eles encontram o verde, nascentes, pedras e sem folha não há ritual, não há orixá. Então, é de suma importância a conservação e expansão dessa área e de todo seu entorno”, disse Maria Alice.
Sônia Silva, Yá egbe do Oxalufan, concorda com a problemática. Sem espaços verdes nos terreiros, a solução é buscar as ervas nas feiras, como a de São Joaquim. No entanto, a procedência delas é duvidosa, muitas vezes não tem como saber se elas foram arrancadas da terra com a permissão de Ossain, dos caboclos das matas e Oxóssi.
“É um momento muito importante. Quando vamos à feira não temos noção de como isso foi feito. Temos que preservar espaços como esses porque cada vezes os resquícios de mata estão desaparecendo. Essa também é uma luta do povo de santo”, afirma Sônia.