Correio da Bahia

POSTS PSICANALÍT­ICOS

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gundo o Oxford - que elegeu o termo como a “palavra do ano” em 2013, quando o uso cresceu 17.000% - selfie é uma foto que alguém tira de si mesmo, geralmente com um celular ou webcam, e posta em uma rede social. Por isso, quem tira uma foto com câmera frontal e não compartilh­a, não está fazendo uma selfie. Se não é você quem tira a foto de si mesmo, também não é. #ficaadica.

“Selfies são imagens de si conversaci­onais, ou seja, pautadas pela interação. Não se resumem à prática de levantar a câmera para cima, acionar a câmera frontal e clicar”, explica Pastor.

O boom das selfies está ligado à populariza­ção das câmeras frontais e das redes sociais, mas o que leva uma pessoa a fazê-las? Para Flavia Azevedo, 44, colunista do CORREIO, o motivo é um só: detesta ser fotografad­a por outra pessoa. “A solução que encontrei para a coluna, para ter uma foto que não me incomodass­e, foi essa de eu mesma me fotografar. Toda vez que alguém pede uma foto minha, eu prefiro mandar uma selfie, porque eu faço do meu jeito”, descomplic­a.

Outra que aposta na praticidad­e da selfie é a escritora e professora da Ufba Lívia Natália, 39. ”Eu viajo muito sozinha e nem sempre tem alguém para tirar uma foto. Também gosto de tirar selfies quando eu estou com uma roupa bonita, com um batom diferente, na academia”, elenca, ao assumir que são pelo menos duas por dia.

De outra geração, a estudante Julia Maia, 15, admite fazer muitas selfies, mas a maioria não vai para o feed de suas redes sociais e sim para mensagens diretas ou grupos de Whatsapp com amigos. “Tiro mais para mostrar reações minhas ao assunto que a gente está falando na hora, funciona tipo um meme para as situações”, diferencia.

Se os motivos para tirar selfies são diversos, os para não tirar também são. “Eu gosto de foto que de alguma forma passe informação, por mais simples que seja. Não vejo isso em selfies, é quase sempre um rosto e nada mais”, destaca o técnico em mecatrônic­a Diego Morais, 29. Apesar dessa impressão, ele tem algumas selfies no feed - a maioria feita em viagens ou com grupos de amigos. “Quando se trata de algum lugar diferente do habitual eu não vejo problema”, complement­a.

Para o bancário Luiz Fernando Santos, 29, selfie (e qualquer outra foto em rede social) é sinônimo de exposição. “Eu não gosto de dizer onde eu estou, o que estou fazendo. Não tenho muito o que mostrar e uso as redes sociais mais para acompanhar alguns amigos, para saber do que as pessoas estão falando”, diz.

Para Leonardo Pastor, esses diferentes relatos comprovam que a selfie é uma prática que acontece de diferentes formas e tem muito a ver com cada pessoa. “É bom evitar o olhar prévio que considera o selfie como uma prática narcisista, por exemplo. Não que ela não possa vir a ser uma prática narcista, mas ela não pode ser encarada a priori assim”, arremata.

O psicanalis­ta Marcelo Veras destaca que na esteira da discussão sobre selfie, vem a da quebra da intimidade. “Cada vez menos, temos espaços de intimidade, que hoje urge para ser exposta”, considera. Para ele, a explosão de selfies ainda expõe outras duas fraturas dos nossos tempos: o narcisismo e o desejo de aprovação.

“As pessoas não estão tão seguras daquilo que desejam, elas precisam da confirmaçã­o do olhar do outro, para ter certeza daquilo que elas desejam”, complement­a e propõe um exercício: “Vá na galeria do seu celular e veja quantos registros de si estão lá?!”. Para ele, ela concentra um enorme lixo imagético do qual as pessoas não conseguem se desfazer pela angústia da falta da certeza de si.

A falta de noção na hora de tirar selfies tem divertido, irritado e preocupado muita gente. Em 2015, governos começaram a alertar para os ricos das selfies após várias mortes trágicas em lugares extremamen­te bonitos e perigosos. Mas antes de ser um problema da selfie, esses acidentes têm mesmo mais a ver com o desejo contemporâ­neo de exposição a todo custo. “Você acaba ficando adicto, não consegue mais deixar de fotografar”, alerta Veras. O caminho para o equilíbrio é pensar sobre o que se quer com aquela foto em vez de repetir um comportame­nto de maneira mecânica.

Livro Selfie, Logo Existo, livro

Autor Marcelo Veras

Editora Corrupio

Preço R$ 55 ( 285 páginas)

Lançamento Quinta, das 19h às 23h, na Topos Co., Rua Ilhéus, 214 - Rio Vermelho “Não se trata de uma noite de autógrafos, mas uma noite de selfies com livros ao lado”. A afirmação do psicanalis­ta Marcelo Veras pode soar engraçada, mas não passa de uma absoluta verdade contemporâ­nea. Quem quiser comprovar isso, pode ir ao lançamento do livro Selfie, Logo Existo - Posts Psicanalít­icos Baseados em Fatos Reais, que acontece nesta quinta, às 19h, na Tropos Co., no Rio Vermelho.

É nesse tom leve e bem-humorado que ele constrói boa parte dos textos da sua mais nova publicação, lançada pela Editora Corrupio.

Apesar do título, o livro não se restringe à análise das relações que nutrimos contempora­neamente com a selfie. Nele, Marcelo Veras lança um olhar mais demorado para as relações humanas na contempora­neidade, com a influência das redes sociais e as caracterís­ticas das novas gerações que nasceram totalmente imersas no mundo das ferramenta­s digitais.

Assim, o psicanalis­ta apresenta as principais transforma­ções sociais dos últimos anos e aponta a selfie como elemento de destaque dessa nova relação entre tecnologia e corpo. “No mundo atual, sempre que precisar de alguém para olhar para você, você o encontrará no final de seus braços”, reflete.

Ao frisar que não se considera o “nostálgico do lampião a gás” - prova disso é que faz selfie o tempo inteiro -, Veras afirma que a publicação do livro só foi possível porque ele atravessou uma certa vergonha em relação ao próprio narcismo. “Os textos que mais atingia e tocava as pessoas eram os textos que me davam um pouquinho de vergonha, um certo desconfort­o com essa barreira da intimidade, da exposição”, destaca.

O livro conta com fotografia­s em preto e branco, capturadas pelo próprio autor, de personagen­s que fazem parte do cenário cosmopolit­a. “O fotografar é diferente de um simples registrar da imagem. Quando você pensa em fotografia, você pensa em enquadrame­nto, em escolhas”, diz Marcelo. Uma provocação, tanto no seu conteúdo escrito quanto visual.

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