Ortega nega antecipar eleições
sua casa, no sudoeste de Manágua, por volta de meia-noite, informou à AFP o reitor da Universidade Americana, Ernesto Medina.
O crime aconteceu no complexo residencial Lomas de Monserrat, onde, segundo testemunhas, paramilitares atiraram contra o carro da brasileira.
Depois de alvejada, a estudante foi levada pelo namorado para o Hospital Militar, em Manágua, mas os “ferimentos eram fatais” e ela faleceu, indicou Medina. Uma bala perfurou o fígado, causando a morte da jovem, informou o canal 100% Noticias.
Raynéia, que morava sozinha há seis anos na Nicarágua, era de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, e fazia estágio no hospital da polícia Roberto Huembes, revelou o reitor, que era um de seus professores na UAM.
O governo brasileiro recebeu com “profunda indignação” a notícia da “trágica” morte da estudante e pediu esclarecimentos ao governo nicaraguense, informou, em nota, ontem, o Itamaraty.
O documento expressou condolências à família da jovem e condenou o uso excessivo da força na repressão aos protestos.
“Diante do ocorrido, o governo brasileiro torna a condenar o aprofundamento da repressão, o uso desproporcional e letal da força e o emprego de grupos paramilitares em operações coordenadas pelas equipes de segurança, conforme constatado pelo Mecanismo Especial de Seguimento para a Nicarágua, instalado para implementar as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos”, disse a nota.
“Ao repudiar a perseguição de manifestantes, estudantes e defensores dos direitos humanos, o governo brasileiro volta a instar o governo da Nicarágua a garantir o exercício dos direitos individuais e das liberdades públicas”, acrescentou o Itamaraty.
O pai da estudante Raynéia Gabrielle Lima, Ridevando Pereira, contou que soube da morte de sua filha por meio de uma ligação da embaixada brasileira em Manágua.
Segundo ele, a família tem poucas informações e ainda não sabe sob quais circunstâncias Raynéia morreu. “Estamos em contato com a embaixada para saber alguma coisa”, revelou.
O pai disse que a menina estava perto de se formar como médica, que a filha era dedicada aos estudos e não tinha interesse nas questões políticas do país.
“Ela foi para lá só com o intuito de estudar, era muito estudiosa”, afirmou, acrescentando que Raynéia não pensava em voltar para o Brasil antes de se formar, mesmo com a crescente violência e protestos contra o governo do presidente Daniel Ortega no país. “Como ela era estrangeira, ela não opinava em nada”, pontuou Ridevando.
Raynéia era filha única por parte de mãe, mas tinha três irmãs e um irmão por parte de pai. De acordo com Ridevando, a jovem tinha o costume de conversar com a mãe sobre sua rotina na Nicarágua.
A mãe de Raynéia, a aposentada Maria Costa, lembrou que falou pela última vez com a filha na manhã de anteontem. “Ela me disse que estava indo para o plantão e me dizia sempre que lá estava muito perigoso, que ninguém estava saindo na rua. Hoje de manhã, o ex-sogro me ligou dizendo o que tinha acontecido”, contou.
“Tiraram da rua o carro em que ela estava quando foi baleada. Eu quero que quem matou a minha filha seja punido. Seja o presidente, seja quem for”, completou a mãe que busca justiça.
Em um post no Facebook, Raynéia falou de seu amor pelos pais. “É doloroso já não contar com a presença de vocês aqui pertinho”, escreveu, acrescentando sentir saudades da família. Na mesma rede social, Raynéia demonstrava seu amor pela natureza e pela prática do ioga, além de sua relação com a Nicarágua. Ela se descrevia como “nascida no Brasil, renascida na Nicarágua”.
A presidente do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), Vilma Núñez, declarou que a estudante “foi alvejada sem nenhuma razão” e disse que a organização vai realizar investigações sobre o incidente. O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, afirmou que está aberto para continuar com os diálogos mediados pelos bispos do país, mas que não vai antecipar as eleições presidenciais previstas para 2021. A matéria é a principal reivindicação de manifestantes da oposição que protestam desde abril pela renúncia do mandatário. Pelo menos 300 pessoas morreram durante confrontos com as forças do governo nos últimos três meses.
Em entrevista gravada à emissora americana Fox News, Ortega pontuou que seu governo foi eleito pelo povo e que somente em 2021, quando serão realizadas as próximas eleições presidenciais, se verá se ele continuará ou não no comando do país. Ortega também amenizou o tom usado nas críticas aos bispos católicos, que atuam como mediadores entre governo e oposição. Na semana passada, ele afirmou que os clérigos eram golpistas. Na entrevista, porém, ele se mostrou mais conciliador e convidou a Igreja Católica a continuar com os diálogos.
Ortega também negou que tenha autoridade ou controle sobre grupos paramilitares que atuam com violência na repressão aos manifestantes. Segundo o presidente, são eles os responsáveis pelos homicídios nos últimos meses, e não as forças do governo. Ortega também disse que os paramilitares estariam sendo financiados por grupos oposicionistas e por “interesses estrangeiros”.
A declaração contradiz o que é apontado por organizações internacionais e instituições nicaraguenses de defesa dos direitos humanos. Na semana passada, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou um resolução condenando violações aos direitos humanos cometidas pelas forças policiais do país e por grupos alinhados ao governo.
Nas últimas semanas, séries de incursões de forças do governo com apoio de grupos paramilitares terminaram em conflito. A mais recente foi na cidade de Masaya, reduto oposicionista que foi alvo de uma “operação limpeza” que restabeleceu o controle de Ortega na região.