A luta da mulher negra está longe de terminar
Ontem, 25 de julho, comemoramos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A ocasião merece ser lembrada no Brasil. Lembrada, sim, com especial atenção à mulher negra brasileira, constituindo também oportunidade de voltarmos o nosso olhar para todas as mulheres negras que habitam a região.
O Brasil é um país injusto e desigual – e tanto mais injusto, mais desigual, quando falamos das mulheres. O fosso de desigualdade entre mulheres brancas e negras, é abissal: mulheres brancas recebem 70% a mais do que negras, segundo a pesquisa Mulheres e Trabalho, do Ipea, publicada em 2016.
Se há algo em comum com alguns de nossos vizinhos, nas Américas e no Caribe, são, precisamente, em maior ou menor grau, as injustiças e as desigualdades, que, tal como aqui, apenam sobretudo as mulheres. E onde se verifica a presença negra, fruto do passado escravagista, verifica-se a mesma sobreposição perversa de gênero e etnia, capaz de agravar dramaticamente o preconceito e a discriminação que historicamente as mulheres negras têm sofrido.
Trata-se de uma realidade muitíssimo triste, para a qual o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha pretende alertar, conforme os objetivos firmados em 1992, em Santo Domingo, República Dominicana, quando do primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas. Discutiram-se então temas como machismo, racismo e formas de combatê-los. Do evento nasceria uma rede de mulheres que permanece unida até hoje. Surgiria, também, a ideia do Dia da Mulher Negra Latina e Caribenha, reconhecido, inclusive, pela Organização das Nações Unidas, ainda naquele ano de 1992.
Na América Latina e no Caribe, 200 milhões de pessoas se identificam como afrodescendentes, de acordo com a Associação Mujeres Afros. Essa população é também a que mais sofre com a pobreza. No Brasil, três em cada quatro pessoas consideradas pobres, são negras, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A população negra corresponde a mais da metade dos brasileiros, algo como 54%, segundo o mesmo IBGE. As mulheres negras aparecem com mais frequência como vítimas de violência obstétrica, abuso sexual e homicídio.
De acordo com o Mapa da Violência 2016, os homicídios de mulheres negras aumentaram 54% em dez anos no Brasil, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Em contrapartida, os casos com vítimas brancas caíram 10%.
Na dimensão regional, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), dos 25 países com os maiores índices de feminicídio do mundo, 15 ficam na América Latina e no Caribe.
Salvo raras exceções, as mulheres negras estão fora de posições de visibilidade, nos veículos de comunicação, e raramente exercem cargos de chefia, seja na iniciativa privada, seja na esfera pública. Muitas vezes não se veem representadas sequer nos movimentos feministas de seus países.
O 25 de julho não teve nunca o objetivo de festejar, senão o de fortalecer as organizações voltadas às mulheres negras e reforçar seus laços, dando as suas demandas a necessária visibilidade e pressionando o poder público, no sentido de atendê-las.
Não por outra razão aqui estou: para lembrar a todos que a luta das mulheres – especificamente, a luta da mulher negra latina e caribenha – está muito longe de terminar.