RELATO RICARDO UGAS, 19 ANOS
ticamente o resto do dinheiro para a família em Manaus, onde a esposa e o filho conseguiram se estabilizar, e a que ficou na Venezuela. O plano de Josué é trazer a esposa, o filho e os pais para Salvador em dezembro.
“Minha mãe, meu pai, minhas três irmãs e sobrinhos comem primeiro pela misericórdia de Deus, segundo porque eu mando”, relata Josué. Uma das irmãs, que trabalha como gerente de recursos humanos na empresa de petróleo do país, tem um salário equivalente a R$ 33. Um único frango chega a custar o equivalente a R$ 10.
O padre Manoel ressalta que o perfil dos venezuelanos é parecido: em geral, são pessoas de classe média que passaram a conviver com condições financeiras difíceis. “O que faz uma pessoa sair de terra com a mão na frente e outra atrás? O que faz alguém fazer isso é ter a mais absoluta certeza de que não existe um lugar pior do que aquele em que ele está”, reflete o padre.
Cheguei ao Brasil, a Roraima, por terra. Em Salvador, cheguei pela Igreja Católica. Tenho oito meses no Brasil e seis em Salvador. Antes de chegar a Roraima, eu morava no oriente da Venezuela, no estado do Sucre. Quando fui para a faculdade, em 2017, mudei de cidade para fazer o curso de Direito. Fui morar em uma cidade que ficava a duas horas da minha cidade natal. Eu comecei a Faculdade de Direito porque pensava em ter uma boa profissão. Eu tinha uma empresa com meu pai, uma empresa que cuidava de purificação de água. Minha mãe era contadora de uma empresa e meu pai fazia projetos para o governo. Nós vivíamos bem. Eu tinha carro, morava em um apartamento só e tínhamos uma boa profissão.
Ainda que o problema já tivesse começado, tínhamos como fazer mercado e ainda dava para viajar, se divertir. Mas a situação foi decaindo. Começou com coisas pequenas. Em abril de 2017, foi ficando mais complicado. Como saí da minha casa, fui conhecendo mais a situação do país, já que na minha casa não estava faltando nada. Foi mais ou menos no mês de maio que começou o período do protesto dos estudantes contra o governo, contra a situação. No princípio, eu ficava longe, mas num desses protestos, dois estudantes foram presos pelos militares. Não tinha motivo para eles terem sido presos só por exercer o seu direito. Um cidadão pode protestar pacificamente. Mas mais de 180 estudantes foram mortos. Lembro que isso gerou preocupação da minha mãe de que eu estivesse nesse meio. Estive na linha de frente da liderança dos protestos. Era um protesto pacífico, mas fomos chamados de terroristas. Quando voltei para minha cidade, eu já tinha decidido sair do país. Foi difícil, porque eu pensava em me graduar primeiro, mas não dava para esperar mais quatro anos.