A guerra pelo olhar da infância perdida
A menina Myriam Rawick tinha apenas 6 anos quando a guerra na Síria começou. Uma guerra que ela, hoje com 13, ainda não consegue entender. “Eu me vi encurralada em um conflito sem nome. Para mim, era só medo, tristeza, angústia. E as lembranças de uma vida de antes que não recuperarei nunca mais”, diz ela no epílogo de O Diário de Myriam, livro que publicou em parceria com o jornalista e correspondente de guerra francês Philippe Lobjois.
Quem leu O Diário de Anne Frank, clássico que já vendeu mais de 50 milhões de cópias, vai entender do que se trata. A história de uma menina que narra em primeira pessoa o entorno que vai se deteriorando. No caso de Myriam, integrante de uma família cristã de origem armênia, o cenário visto pelo leitor é Alepo, capital econômica da Síria, que enfrenta uma guerra civil que já matou mais de 400 mil pessoas e refugiou outros 5 milhões de cidadãos desde 2011, quando começaram as manifestações contra o ditador Bashar al-Assad.
Myriam conta que começou a escrever e a desenhar estimulada pela mãe, nesse mesmo ano - sua narrativa segue até dezembro de 2016. Os textos são curtos, claramente infantis e, óbvio, sem interpretação política. Mas acompanham seu interesse em tentar compreender por que as ruas de Jabal Sayid, o bairro onde nasceu e cresceu, deixavam, aos poucos, de existir diante da ação dos jihadistas.
Ela conta que, até que tudo acontecesse, cresceu num paraíso de cores, cheiros e sabores, se bronzeou sob o sol de Alepo, bebeu a água de Alepo, tomou banho com o sabonete de Alepo. “Eu era feliz, leve. E não imaginava que a vida pudesse ser de outra forma”, diz Myriam, no prefácio escrito em 2017.
Lobjois encontrou a menina em 2013, dois anos após o início do conflito, através de uma organização conterrânea sua que ajuda cristãos do Oriente. “Myriam teve sorte. Uma sorte impulsionada por sua força e a da sua família e de seus pais, que quiseram preservá-la, mesmo sob disparos de granada, mesmo sob ameaças de uma invasão jihadista”, diz Lobjois, que ajudou a organizar o diário e a recuperar sentimentos que ela não sabia nomear em metáforas habilidosas. Perfeitas para criar no leitor identidade suficiente para questionar como seria se sua própria rotina fosse afetada por esse tipo de violência.
Myriam Rawick, com Philippe Lobjois
DarkSide Books
Maria Clara Carneiro
R$ 40 (320 páginas)