Os funcionários foram heróis. Estávamos pensando nos nossos ancestrais pesquisadores Paulo Buckup
Os mais de 20 milhões de itens do museu eram divididos em coleções de paleontologia, zoologia, botânica, antropologia, arqueologia, entre outras. Além de coleções próprias, tinham itens em comodato enviados pela Casa da Marquesa de Santos, que se encontra em obras. São peças de mobiliário do século 19 e que, provavelmente, se perderam por completo. “Sobrou parte do acervo dos invertebrados, o setor de vertebrados e botânica. Foram retiradas algumas cerâmicas, peças minerais e os meteoritos, talvez uns 10%”, contou a vice-diretora do museu, Cristiana Serejo.
Ao todo, o incêndio que atingiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, acabou com 90% do acervo da instituição, garantiu Cristiana. Só a reconstrução do prédio custará R$ 15 milhões. O valor histórico, científico e cultural, por sua vez, é imensurável.
Esses 10% sobreviveram graças à contribuição dos servidores e ex-funcionários que se deslocaram até o museu e tentaram resgatar o máximo de peças, arquivos, documentos, microscópios e computares possíveis. Segundo relatos, cerca de 30 a 40 servidores, inclusive aposentados, entraram no imóvel durante o incêndio.
O biólogo Paulo Buckup foi um deles. Ele conseguiu recuperar “alguns milhares” de exemplares de moluscos descritos por pesquisadores dos séculos 19, 20 e 21. O biólogo ficou das 20h30 até 22 h de anteontem na parte traseira do prédio. Ele descreveu um cenário de pavor, com fogo em andares superiores. Buckup afirmou que viu as chamas se iniciarem na parte do prédio logo atrás da fachada, entre o segundo e o terceiro andares.
“Os funcionários foram heróis. Estávamos pensando nos nossos ancestrais pesquisadores. O que salvamos vai permitir a continuidade de pesquisas de colegas. Consegui tirar alguns milhares de animais, mas nada perto do que queimou”,disse Buckup.
Quando a astrônoma Maria Elizabeth Zucolotto entrou no prédio, por volta das 9h de ontem, pedaços do teto ainda caíam sobre o chão. Mesmo assim, ela conseguiu salvar 18 das 24 peças da coleção de meteoritos da instituição que estavam expostas. “Essas peças resgatadas devem ser levadas a outros prédios do museu”, disse a astrônoma. O acervo completo de meteoritos do museu, contando também com os que estavam fora de exposição, tinha mais de 400 peças. “Parecia que alguém da família tinha morrido. A gente ligou a televisão, viu a notícia e correu para cá”, lembrou.
Quando os bombeiros chegaram ao local, ainda tiveram que lidar com um problema no funcionamento dos hidrantes que atrasou o resgate. Dois hidrantes, mais próximos, estavam sem carga (força) e foi preciso pedir o desvio da água para o local. Segundo o coronel Roberto Robadey, foi preciso pedir apoio à Companhia de Águas e Esgotos do Rio (Cedae) para ceder carros-pipa. Também foi utilizada água do lago da Quinta da Boa Vista. “Também trouxemos os nossos carros da Baixada Fluminense”, disse o militar.
De acordo com Robadey, a operação contou com 80 militares e 21 viaturas de 12 quartéis da capital e de municípios vizinhos. “As paredes são muito grossas. O prédio é muito antigo. Os pavimentos internos desabaram”, revelou o militar.
Ontem, a Subsecretaria de Proteção e Defesa Civil do município do Rio de Janeiro manteve interditado o prédio do Museu Nacional. Técnicos do órgão fizeram nova vistoria no local e verificaram que existe grande risco de desabamento. Podem desabar trechos remanescentes de laje, parte do telhado e paredes divisórias. Na área externa, não há risco iminente, mas há problemas pontuais, como possível queda de revestimento, adornos e estátuas, o que provocou isolamento das fachadas.
Ainda segundo o coronel Roberto Robadey, o trabalho de rescaldo do incêndio deve seguir nesta semana por se tratar de um prédio histórico. O trabalho deve durar mais de dois dias. O coronel disse ainda que focos de incêndio estavam sendo combatidos a distância com o uso de mangueiras.
Fundado por Dom João VI, em 6 de junho de 1818, sob a denominação de Museu Real, o museu foi inicialmente instalado no Campo de Santana, reunindo o acervo legado da antiga Casa de História Natural, popularmente chamada Casa dos Pássaros, criada em 1784 pelo vice-rei dom Luís de Vasconcelos e Sousa, além de outras coleções de mineralogia e zoologia.
Ainda no século XIX, notabilizou-se como o mais importante museu do seu gênero na América do Sul. Foi incorporado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1946.
É a principal base para as pesquisas desenvolvidas em todas as regiões do país e em outras partes do mundo, incluindo o continente antártico. Possui uma das maiores bibliotecas especializadas em ciências naturais do Brasil, com mais de 470.000 volumes e 2.400 obras raras.