Chão de igreja guarda lembranças da morte
O chão da Catedral Basílica e de outras igrejas de Salvador também guarda lembranças da morte. Sob os pés dos fiéis há corpos enterrados de beneméritos dos respectivos templos. Lê-se, em alguns túmulos: “Uma prece por sua alma”. Naquela frase, um sinal da importância de lembrar do fim dos que já foram.
Até 1836, as igrejas foram superlotadas de corpos – exceto os de escravos, enterrados, pelo que acreditam historiadores, num cemitério mais parecido com um aterro, na região hoje conhecida como Campo da Pólvora. Pouco a pouco, já não aguentavam tantos novos ‘moradores’.
A tradição de ser enterrado nas igrejas surge como herança da tradição romana. Antes enterrados em catacumbas espalhadas pela cidade, uma vez incorporado o cristianismo, os mortos migram para o chamado solo sagrado das igrejas. “Só assim poderia existir a possibilidade de salvação da alma”, explica o bacharel em História e membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) Jaime Nascimento.
A localização do morto era, também, um símbolo de poder. Quanto mais perto do altar mais poderoso o morto. Na hoje Catedral Basílica, inclusive, estão sepultados alguns ilustres, como Mem de Sá, o terceiro governador do Brasil, o cardeal dom Lucas Moreira Neves, além do cardeal dom Avelar Brandão Vilela. “Quanto mais perto do altar, mais chance de salvação”, brinca.
E, quando proibido o enterro nos ditos solos sagrados, em 1836, ocorre o “extraordinário”, nas palavras do historiador João José
Reis, no seu A Morte É uma Festa, livro que conta os episódios da chamada Cemiterada.
O levante começou com uma manifestação de protesto convocada pelas irmandades e ordens terceiras de Salvador, contrários à inauguração do Cemitério Campo Santo, concretizada apenas em 1844. A ordem, na época, era que todos os sepultamentos fossem feitos no novo cemitério e, portanto, longe do solo sagrado das igrejas.