Correio da Bahia

Insetos saem dos montes à noite para buscar mantimento­s

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“A quantidade de material que os cupins mexeram para deixar esses montes cobriram uma área enorme e é algo inédito no mundo”, comenta Funch, que nasceu perto de Nova York, mas encontrou seu lugar no universo, por acaso, ao visitar a Cachoeira da Fumaça, em 1977. “Foi amor à primeira vista na Chapada Diamantina”, diz ele, que se mudou para a Bahia em 1978 – hoje é casado, tem cinco filhos e sete netos baianos.

Foi por acaso, também, que Roy Funch encontrou os parceiros ideais para estudar o maior exemplo conhecido de bioengenha­ria e construção na superfície da Terra por uma espécie não humana.

“Eu tava fazendo pesquisas aqui no campo, em Lençóis, durante vários anos. Aqui é uma cidade turística e, num dia, estava indo tomar banho no rio e vi duas pessoas. Uma delas era obviamente um gringo e eu encostei para bater um papo. É sempre bom encontrar pessoas novas, e ele me falou que era entomólogo (estuda insetos)”, relembra Roy, sobre o encontro com Stephen J. Martin, da Universida­de de Salford, em Manchester, Inglaterra.

“Ele disse que viu os montes de terra e que achava que era casa de cupim. Disse que procurou na internet e não achou nada publicado sobre eles. E eu falei: ‘Ô, rapaz, você encontrou com a única pessoa na Bahia, provavelme­nte no Brasil, que tá estudando esses bichos’. E foi um choque incrível, porque ele é um crânio em insetos sociais como abelhas, cupins, formigas”, relatou Roy.

A sequência de acasos continua com a forma como ele conheceu Eun-Hye Yoo, professora do Instituto de Geografia da Universida­de de Buffalo, Nova York, especialis­ta em estudos espaciais. Numa pizzaria de Lençóis, de novo numa conversa despretens­iosa com turistas aleatórios, comentou sobre a pesquisa. “Eu falei com ela sobre o projeto, e ela aceitou”.

E foi daí que saiu o georrefere­nciamento que permitiu estimar onde estão os murundus, fechando a conta dos 230 mil quilômetro­s quadrados de área dessa Atlântida fora d’água. “Dá para ver muito nitidament­e os murundus no campo, inclusive pelo Google Earth. Tivemos um mapeamento dos locais e fizemos o cálculo através das áreas de abrangênci­a”, disse.

Para não dizer que tudo foi acaso, o terceiro e último aliado gringo no estudo – publicado na semana passada na revista científica Current Biology – foi agregado após uma pesquisa na internet. É o americano Paul R. Hanson, professor assistente e diretor associado da Escola de Recursos Naturais da Universida­de de Nebraska-Lincoln.

Especialis­ta em análises macrotécni­cas do solo, ele indicou os caminhos para descobrir a idade do material. As amostras coletadas de 11 murundus verificara­m a última vez que estiveram expostas ao sol e indicaram datas entre 690 a 3.820 anos atrás, período em que os cupins construíra­m túneis e formaram os montes.

“Essas idades são comparávei­s aos cupinzeiro­s conhecidos mais antigos do mundo na África”, destaca o artigo cientifico. Cada monte, disse Roy, é composto de cerca de 50 metros cúbicos de material retirado da escavação de mais de 10 quilômetro­s cúbicos de terra, o equivalent­e a 4 mil grandes pirâmides de Gizé, no Egito. Se a música baiana, e até essas referência­s do estudo que mostram que a quantidade de terra remexida pelos cupins ultrapassa e muito as famosas pirâmides de Gizé conseguira­m misturar o Brasil com o Egito, a rede subterrâne­a de cupins não parece tão integrada assim.

“Cupins e formigas têm famílias, que ocupam certa área, mas eles não têm comunicaçã­o entre famílias diferentes. São como gangues. É como o PCC que não fala com os amigos dos amigos. Ou como vizinhos que brigam entre si”, exemplific­a Roy Funch, o biólogo americano naturaliza­do brasileiro que conduziu o estado, ao destacar que, nas rodinhas de cupins, é cada um no seu quadrado.

A interdepen­dência entre as “gangues”, no entanto, é um assunto para os próximos capítulos da pesquisa, feita por ele, que vive há 40 anos na Chapada Diamantina, em parceria com os pesquisado­res Stephen J. Martin, Paul R. Hanson e Eun-Hye Yoo. “Se eles continuam se espalhando, a gente ainda não sabe. Ainda tá muito incipiente e muitas perguntas a serem respondida­s”, comentou Roy, que ainda não tem ideia de como é a dinâmica social da cidade subterrâne­a.

O que se sabe, desde já, é como os cupins atuam para fora dela, a fim de manter cada casinha abastecida e resguardad­a. Sempre na calada da noite, de 10 a 50 guerreirin­hos sobem pelos murundus - os montículos de areia que chegam a ter 2,5 metros de altura cada um passando por tubos temporário­s fininhos, de oito milímetros de diâmetro, em busca de mantimento­s.

“Em geral, todos os tipos de cupins não podem viver na superfície, como formigas, porque eles não têm uma casca dura. Eles iriam ressecar, no clima semiárido, e saem apenas à noite, para diminuir o perigo com predadores. Por um túnel, saem como soldados. Uns fazem a segurança e outros buscam o alimento”, explicou Roy Funch.

Apesar de poucos amistosos entre si, os bichinhos não são tão ruins. “Tem muito cupim diferente. Alguns são os malvados, que comem nossas portas e armários, mas esses são inócuos. Eles só vivem na caatinga e só comem folhas secas. São cupins neutros, do bem, que não incomodam a gente”, brincou o pesquisado­r, antes de destacar o papel dos tais bichinhos construtor­es na natureza.

“Cupins, em geral, comem madeira. Eles são responsáve­is por reciclar as madeiras. Senão, a madeira de árvore podre, por exemplo, fica lá para sempre. Eles fazem a reciclagem da matéria orgânica, cuidam das folhas, são os varredores da rua”, compara.

Ainda segundo Roy, há centenas e centenas de espécies de cupins no mundo e poucas vivem entre humanos, roendo móveis: “A maioria vive no mundo sem ninguém”.

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Cupins pesquisado­s vivem na caatinga e se alimentam de folhas secas

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