Água mole, pedra dura
Reportagem de capa publicada recentemente pelo CORREIO revelou que a Bahia é, hoje, o estado com o maior número de barragens sob risco de ruptura - ao todo, existem dez delas no interior e Região Metropolitana de Salvador com estrutura altamente comprometida, apontou o assustador relatório da Agência Nacional das Águas (ANA), autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Contudo, tão alarmante quanto o dado da ANA foi o posicionamento do governo baiano de minimizar o perigo.
Enquanto instâncias do poder público preferem adotar essa retórica que transforma algo grave em coisa menor permanece a ameaça à vida de milhares de cidadãos baianos e à sobrevivência de comunidades e ecossistemas inteiros. Para dimensionar o tamanho do problema, as barragens baianas onde um eventual rompimento é fato, e não acaso, estão situadas em cidades como Camaçari, o mais importante polo industrial do estado, Juazeiro, proeminente centro do agronegócio, e Mucugê, conhecida mundialmente por estar situada no coração da turística Chapada Diamantina.
O quadro se torna ainda mais ameaçador quando se observa o desleixo dos governos, em suas diversas esferas, diante do perigo. Das dez barragens do estado listadas no relatório da ANA, três são administradas no âmbito da Companhia de Engenharia e Recursos Hídricos da Bahia (Cerb), órgão responsável por obras e projetos de combate e enfrentamento aos danos provocados por estiagens prolongadas. Mesmo com a iminência de um desastre, a Cerb sequer sabe quanto seria gasto para recuperar tais estruturas.
O que não absolve de culpa também os demais responsáveis pelas outras sete barragens sob risco. A saber, o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) e a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), ambos do governo federal, além, é claro, dos municípios, que deveriam estar, no mínimo, atentos e cuidadosos em relação ao nível de perigo latente nas localidades afetadas pelas deficiências estruturais.
Como apontaram os pesquisadores da ANA, o pior caso se refere à Barragem de Araci, que abastece os 54 mil habitantes da cidade homônima, situada no Nordeste do estado. O levantamento apontou a existência de rachaduras no coroamento da estrutura criada para garantir recursos hídricos em períodos marcados pela ausência de chuvas.
Para recuperar o equipamento, a cargo do Dnocs, bastariam somente R$ 180 mil. Trata-se de um volume de recursos inferior a de muitos patrocínios para artistas tocarem em eventos públicos, necessidade bem menos importante do que salvar a vida das pessoas e o meio ambiente. Não se trata aqui de alarmismo. Basta observar a recente história do país para compreender o valor do dito popular que recomenda prevenir antes de remediar.
Para dar ainda mais ênfase ao alerta, o estudo é o segundo produzido pela agência governamental após o fatídico desastre de Mariana, episódio que resultou em 19 mortes, fez desaparecer uma comunidade inteira e deixou dezenas de desabrigados. Fora a poluição do Rio Doce, principal fonte de recursos hídricos para a região de mesmo nome, em Minas Gerais. Foi justamente por ignorar alertas ou fazer pouco caso para a fiscalização que a barragem da mineradora Samarco se rompeu, afogando o futuro dos que ali viviam.
Agora, quando o perigo se avizinha sobre o território baiano, observa-se o mesmo tom de aparente despreocupação das autoridades do estado. Em especial, por parte do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão subordinado ao governo estadual e responsável por fiscalizar as barragens da Bahia. E é bom notar que foi justamente o Inema quem deu base para o relatório elaborado pela ANA.
No entanto, quando confrontada pelo CORREIO, a direção do Inema fez do máximo o mínimo, ao garantir que não existe qualquer barragem na Bahia ameaçada de ruptura. O que contrasta com as ressalvas da agência federal. Ainda mais pela quantidade ínfima de fiscais do órgão escalados para um trabalho dessa magnitude - apenas seis para todo o estado. Assim, fica muito difícil impedir que a água mole fure a pedra dura.
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