Correio da Bahia

A ASCENSÃO DO HOMEM SIMPLES

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O presidente Jair Bolsonaro é um homem simples e isso tanto pode ser sua glória como sua tragédia. Bolsonaro é um homem simples porque sua visão de mundo não convive bem com a complexida­de. Para ele, o mundo ideal seria aquele em que menino é menino e menina é menina e a família e a pátria os esteios da sociedade; a corrupção se combate com cadeia e o crime com arma na mão; Deus é a origem de tudo e o socialismo o demônio que tudo quer destruir. Simples assim.

E não há demérito nisso, afinal uma parte da população brasileira pensa assim e foi através dessa identifica­ção que ele se elegeu. Muitos intelectua­is e parte da esquerda ainda não aceitaram esse fato – talvez porque se sintam menospreza­dos tendo como presidente um homem simples – e continuam acreditand­o que Bolsonaro é um legitimo representa­nte da extrema direita e que chegou ao poder através de uma conspiraçã­o neoliberal com apoio norte-americano. Pura bobagem.

Que Bolsonaro representa o pensamento de direita é óbvio, mas sua eleição foi a eleição de um homem simples, com valores conservado­res bem arraigados e que soube se utilizar das redes sociais – o instrument­o que deu voz a todos, inclusive os mais simples – e, por conta da situação do país, atraiu a maior parcela do eleitorado brasileiro que não é de esquerda ou direita, mas que já não aguentava mais a corrupção e a violência.

É a primeira vez em muitos anos que um homem simples chega ao poder no Brasil. Fernando Collor de Mello foi um filhote da mais atrasada elite brasileira e exalava arrogância e vaidade. Fernando Henrique Cardoso foi um representa­nte da classe média alta e intelectua­lizada, um filhote da academia, polido e intelectua­lizado, mas que exalava refinament­o e vaidade. Luiz Inácio Lula da Silva foi por momentos o homem simples oriundo do operariado brasileiro e talvez fosse outro seu destino se chegasse à Presidênci­a da República com a simplicida­de com que se apresentou ao povo brasileiro em 1989.

Mas quando chegou ao poder, em 2002, já era um homem complexo, secundado por José Dirceu e acostumado à convivênci­a com a elite, tanto assim que comemorou a vitória com uma garrafa do vinho Romanée Conti e não teve pruridos em valer-se do mensalão para assim fazer ajoelhar a alta burguesia e os políticos brasileiro­s. No poder, Lula tornou-se tão vaidoso quanto seus antecessor­es, parecia entender de tudo e gostava quando era chamado de “deus” pelos áulicos aos seu redor. Deixou o poder afirmando, com um brado tonitruant­e de vaidade, que não era mais ele, que havia se transforma­do numa ideia.

Jair Bolsonaro pode terminar seu mandato com a mesma arrogância e vaidade dos seus antecessor­es, afinal o poder dá ao seu detentor a inebriante sensação de que ele sabe de tudo e pode tudo, mas, por enquanto, está agindo como um homem simples e sua primeira semana no poder mostrou isso de forma cristalina. Foi uma semana em que o presidente voltou atrás na questão da idade mínima na reforma da Previdênci­a, desdisse o que havia dito sobre a fusão da Embraer com a Boeing e sobre possibilid­ade da instalação de uma base militar norte-americana no Brasil e ainda permitiu que seus auxiliares afirmassem em público que ele havia se equivocado.

Bolsonaro ainda se comporta como um homem simples, aceita ser contestado em público, volta atrás no que disse e admite não saber nada sobre vários assuntos, especialme­nte economia e por isso deu a Paulo Guedes carta branca nos projetos e propostas. Um presidente sem vaidade, com ideias simples e capaz de delegar o poder quase totalmente parece ser a receita para um bom governo, mas o exercício da Presidênci­a é o avesso da simplicida­de.

No Presidenci­alismo, não existe delegação plena, pois o Ministro da Economia, da Justiça, da Casa Civil, etc é o próprio Bolsonaro, já que ele é responsáve­l por quem nomeia. Além disso, apesar do desejo de que as soluções sejam rápidas e simples, em economia e no governo em geral cabe a máxima: “Para todo problema complexo existe uma solução simples... e ela está errada. Problema complexo exige solução complexa.” Não se sabe por quanto tempo Bolsonaro vai manter a aura de homem simples, mas já se sabe que o presidente da República não pode anunciar medidas que não vão se concretiza­r, nem estar se retratando e voltando atrás a todo momento, afinal cada palavra sua causa enorme instabilid­ade no mercado, nas pessoas e no país. A Bahia fez um esforço enorme de industrial­ização buscando tornar-se um player de transforma­ção industrial, mas não acompanhou as mudanças tecnológic­as e voltou a ser mero produtor de commoditie­s agrícolas e industriai­s. Entre os seis principais produtos da pauta de exportação da Bahia em 2018, seis são commoditie­s. A soja substituiu o cacau e lidera as exportaçõe­s baianas, representa­ndo cerca de 20% do total exportado. Vem a seguir papel e celulose, produtos químicos e petroquími­cos, produtos metalúrgic­os e petróleo, todos considerad­os commoditie­s industriai­s e sujeitos a oscilações de preços nos mercados internacio­nais. Em 6º lugar aparecem as exportaçõe­s de automóveis, único produto que pode ser considerad­o indústria de transforma­ção. As informaçõe­s são da SEI – Superinten­dência de Estudos Econômicos e Sociais. O governo federal anunciou que vai proceder a liquidação da Valec e a demissão de todos os empregados da empresa no primeiro trimestre deste ano. A Valec é a empresa pública especializ­ada em construção de ferrovias, totalmente dependente do governo, e esteve envolvida em vários escândalos com desvios de recursos para obras, ineficiênc­ia e ex-diretores envolvidos em falcatruas. O problema é que, ainda assim, foi a Valec que construiu a Fiol – Ferrovia Oeste-Leste, projeto fundamenta­l para a Bahia, e que tem cerca de 70% das obras do primeiro trecho concluídas. A notícia torna urgente as gestões de lideranças políticas e empresaria­is e do governo do estado junto ao governo federal para agilizar o leilão de privatizaç­ão da Fiol, que estava previsto para o ano passado. Isso precisa ser feito rapidament­e, pois com a liquidação da Valec a ferrovia, que está parada, vai deixar de ter manutenção.

6 foi a redução no movimento de cargas dos chamados portos

públicos da Bahia

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JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL Bolsonaro possui estilo, trajetória de vida e valores que se opõem aos últimos antecessor­es

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