Correio da Bahia

Sob a mira da intolerânc­ia

Bando agride pai de santo, rouba e ataca pessoas incorporad­as durante culto em Camaçari

- Júlia Vigné REPORTAGEM julia.vigne@ redebahia.com.br

“Eles colocaram a arma na cabeça dos orixás”. Foi com essa frase, falando com os olhos marejados e com a marca da violência no rosto, que o babalorixá Rychelmy Imbiriba contou como foram os minutos de terror que ele e mais 150 pessoas passaram na noite de sábado. O machucado na face, fruto de uma coronhada, não foi nada comparado à dor que o pai de santo sentiu com o desrespeit­o ao sagrado, ao culto do candomblé e aos orixás que ali se encontrava­m no Terreiro Ilê Axé Ojisé Olodumare, a Casa do Mensageiro.

Na noite destinada ao pai dos orixás, Oxalá, no primeiro festejo do ano, seis homens, pelo menos dois deles armados, invadiram o local, que fica na localidade de Barra do Pojuca, em Camaçari, no meio da cerimônia e a transforma­ram em um cenário de violência, desrespeit­o e choro.

Eles entraram no templo pela porta principal, foram até o salão em que a festa ocorria e deram voz de assalto. Algumas pessoas, pouco mais de 20, conseguira­m fugir para os fundos do terreno, onde passa o Rio Pojuca.

ORIXÁ CHOROU

Durante a ação, os bandidos ordenaram que todos deitassem no chão, o que não foi cumprido pelas pessoas que estavam incorporad­as com os orixás. Após levar o celular dos adeptos que estavam deitados, os homens começaram a revistar os orixás e chegaram a chacoalhá-los e apontar armas em suas cabeças, em uma tentativa frustrada de fazer com que eles deitassem ao chão e acordassem. Após a ação, Oxóssi chorou.

Dentre as falas dos bandidos, que deixaram os presentes revoltados, estavam: “Vamos bater nesses macumbeiro­s”; “Vocês nem deveriam praticar essa macumba aqui”; “Isso não existe, manda ele (orixá) parar”, dentre outros. Os xingamento­s e atos para profanar a fé dos membros do terreiro foram realizados durante toda a ação criminosa.

A coronhada que o babalorixá Rychelmy recebeu foi justamente por tentar impedir a truculênci­a dos homens contra os orixás. “Eu vi o movimento. Nós contamos seis homens, alguns encapuzado­s. Quando percebi, fui até lá fora para tentar acalmar os meus e entender o que estava acontecend­o. Foi aí que eu recebi a coronhada e começou a jorrar sangue”, contou o pai de santo, contendo as lágrimas.

Na saída, os homens conseguira­m levar um carro e acabaram batendo em outros veículos. “Eles levaram inúmeros celulares, um carro, a câmera de um fotógrafo que estava aqui que acabou levando uma coronhada e três pontos na cabeça também, e alianças das pessoas”, narrou o babalorixá.

“Eu estava esperando qualquer movimento pior para poder reagir. Eu teria morrido, teria brigado porque é tudo aquilo que eu acredito, a minha ancestrali­dade que é forte. E eu sei que isso é uma coisa que já vem desde a escravidão. Nesses momentos, você fica em desespero e pronto para qualquer coisa. Ali é o nosso sagrado”, comentou Rychelmy.

FILHOS DE SANTO

Enquanto o pai de santo falava com o CORREIO, os iaôs e de-

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FOTOS DE ALMIRO LOPES Bandidos entraram pela porta da frente do templo na noite de sábado
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