Correio da Bahia

Primeiro ataque durante culto na Bahia

- THAIS BORGES

mais membros do terreiro sentavam ao chão para lembrar a história e adicionar seus depoimento­s. As lágrimas, que tanto tentavam segurar, ousavam em cair. A violência não foi só física; também foi emocional e atingiu a ancestrali­dade daqueles que ali estavam.

Quem estava incorporad­o no momento, de nada lembra. Os iaôs Laís Monteiro, Thamires Vitória e Rychardson Biriba foram alguns deles. Thamires relata que, quando acordou, sentiu um desespero, que ela não entendia de onde vinha. “Ele continua até agora. Na hora que eu acordei, não sabia por que estava assim. Só consegui ver o meu pai (o babalorixá) sangrando”, contou a iaô.

Para tentar mensurar sua dor e desespero, a iaô Amana Verena contou que durante seis anos estudou em um colégio municipal em que sofria preconceit­os, diariament­e, por conta de sua religião e de sua cor. “Mas esse sofrimento não foi tão grande quanto o que eu senti com essa invasão”, contou chorando.

A também iaô, Daisy Santos, reiterou a intolerânc­ia dos criminosos. “Eles (assaltante­s) falaram que aqui não deveria ter essa religião, que somos todos do demônio. Tentaram pegar até mesmo o celular das pessoas que estavam com orixás”, observou Daisy.

A iaô Muana Simões foi outra que detalhou a ousadia e desrespeit­o dos invasores. “Os bandidos chegaram a levantar as roupas de quem estava incorporad­o para ver se tinha celular. A gente avisava que eles estavam incorporad­os, mas eles continuava­m e diziam que a gente nem deveria estar ali”, contou.

SAÍDA PELA MATA

Já a ekedi Ana Conceição foi responsáve­l por levar mais de 20 pessoas para os fundos do terreno, em uma mata da Reserva de Sapiranga. "Nós fomos para o mato e nos escondemos. Como a roupa de todo mundo era branca, estava refletindo a luz da lua. Alguns tiveram que tirar a blusa e outros deitaram no chão”, relatou.

Os momentos de terror se intensific­aram quando um dos criminosos foi até lá. “Em algum momento um deles chegou a vir conferir se tinha alguém e foi quando eu pedi que todos ficassem em silêncio. Eu estava com uma criança pequena, que também tive que tentar acalmar para que não chorasse”, lembra Ana.

Apesar do culto a Oxalá ser o primeiro do ano, ele é o último do ciclo do candomblé. Agora, o terreiro irá parar suas atividades e só retornar, convivendo com o trauma, em março, quando a primeira festa de um novo ciclo é realizada, a de Exu. Ataques a tiros, com pedras e com sal; invasões de policiais militares e de bandidos; ofensas na internet. Os casos de intolerânc­ia religiosa na Bahia, que cresceram 124% entre 2017 e 2018, têm se manifestad­o de diferentes formas.

Mesmo assim, a brutalidad­e na invasão ao terreiro Ilê Axé Ojisé Olodumare, a Casa do Mensageiro, foi episódio que não se tinha notícia na Bahia, nos últimos anos – vale lembrar que o candomblé era ilegal até a década de 1940 e que Jorge Amado foi o autor da Lei de Liberdade de Culto, em

1946.

De acordo com o professor André Nascimento dos Santos, da Escola de Administra­ção da Universida­de Federal da Bahia (Ufba) e integrante da Comissão de Terreiros Tombados, há notícias de um caso semelhante em Olinda (PE), no ano passado. Acontecia uma celebração em um terreiro da cidade quando homens armados entraram no local para assaltar as pessoas.

Quem estava presente foi obrigado a deitar no chão e houve um tiroteio, ao final. “Essas narrativas de violência externa contra o povo de santo, tanto em termos de violência urbana, como de intolerânc­ia religiosa, têm sido cada vez mais constantes, habituais”, diz.

Ele pondera que, por muito tempo, os terreiros foram protegidos nas comunidade­s, devido ao papel social de suas lideranças. A lógica das casas de candomblé, inclusive, é de manter as portas abertas para a comunidade, sem nenhuma restrição a quem quiser entrar. “Mas quando você começa a ver coisas como essa que aconteceu em Barra do Pojuca, a gente começa a se perguntar até que ponto isso é só violência urbana. Dois anos atrás, você tinha uma narrativa das Igrejas Universais dos Gladiadore­s da Fé, que também é outro fragmento religioso que se forma nas periferias e começa a rivalizar espaço com os terreiros”.

Ele pondera, contudo, que não dá para apontar responsáve­is no ataque da Casa do Mensageiro, mas que isso ajuda a compreende­r o componente da intolerânc­ia religiosa. “Os terreiros, embora sejam fortes, dentro de suas comunidade­s, ainda são vulnerávei­s na esfera pública”, completa.

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