Correio da Bahia

Após a tempestade

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Durante quase dez anos, Salvador enfrentou um gradual processo de decadência, com reflexos negativos nas mais diversas áreas. Nenhuma delas sofreu tanto com essa longa travessia do deserto quanto o turismo. Astro da economia soteropoli­tana nos anos 1990, resultado de grandes investimen­tos governamen­tais e do reposicion­amento da imagem da capital baiana em escalas nacional e internacio­nal, o setor perdeu, pouco a pouco, espaço na preferênci­a dos turistas. A alta temporada atual, no entanto, deu sinais evidentes de que a tempestade fugiu do horizonte da cidade.

Desde dezembro, o fluxo estimado para Salvador neste Verão é de 3,7 milhões de visitantes, movimento 8% maior que o período passado, de acordo com dados da prefeitura. Pela primeira vez em seis anos, a capital atingiu o número de 2,8 milhões de leitos ocupados. Cresciment­o na quantidade de voos extras e índice de hotelaria na marca dos 90% nos principais empreendim­entos este mês confirmam também a tendência de reversão da trajetória descencent­e no setor.

Para além dos números, basta abrir os olhos para perceber que, sim, Salvador está mais cheia que nos anos anteriores. Em comparação com a temporada do início da atual década, então, a distância é ainda maior. Por efeito direto, o aumento da movimentaç­ão turística beneficia todos os demais segmentos do setor, de bares e restaurant­e à cadeia do entretenim­ento, ajudando a segurar e até ampliar a oferta de trabalho e a geração de renda num momento em que os níveis de desemprego continuam fortes.

Grande parte do que parece ser o novo boom do turismo na cidade possui origem no plano de requalific­ação da capital iniciado nos primeiros anos da atual administra­ção municipal. As obras de modernizaç­ão da orla, as reformas de pontos turísticos em situação de quase abandono e o retorno dos investimen­tos na promoção de Salvador para o público externo, sem dúvida, têm papel importante nesse processo.

No período mais recente, um dos exemplos de projetos pensados para alavancar o setor é a revitaliza­ção do Centro Histórico, em especial, o entorno da Rua Chile e da Praça Castro Alves. Tanto que atraiu dois grandes empreendim­entos - Fera Palace e Hotel Fasano -, em um movimento que sinaliza para consolidaç­ão de um polo de hotelaria de luxo na área, com o necessário reaproveit­amento de imóveis antigos subutiliza­dos ou esquecidos.

Entretanto, o passo fundamenta­l para a escalada ascendente do turismo na capital foi dado pelo calendário de eventos de relevo. Três deles merecem destaque. Os festivais da Cidade e da Primavera, realizados, respectiva­mente, no fim de março e no início de setembro, se tornam fonte importante de atração turística justamente porque ocorrem numa época em que o fluxo costuma ser baixo.

Nos últimos anos, outro festival, o da Virada, impulsiono­u ainda mais o setor. A grade de atrações estreladas que se apresentar­am no período do Réveillon fez dezenas de milhares de pessoas optarem pela capital baiana, em detrimento de cidades com Ano-Novo até então tidos como os mais badalados do país, especialme­nte o Rio de Janeiro e destinos litorâneos do Ceará e de Pernambuco.

É inegável o papel do megaevento de Réveillon para o aumento gradativo no número de visitantes durante as altas temporadas em Salvador, especialme­nte, a atual, assim como também são instrument­os importante­s de atração turística as festas populares, sem contar, é claro, o cobiçado Carnaval. A Lavagem do Bonfim, realizada na última quinta-feira, teve um movimento nunca visto na história recente da cidade.

Foi comum ouvir participan­tes declararem não se recordar de terem visto o trajeto de oito quilômetro­s tão apinhado de gente, como se pode constatar na imagem estampada anteontem na capa do CORREIO, captada pela lente do fotógrafo Betto Jr. A expectativ­a é que o mesmo fenômeno numérico se repita em 2 de fevereiro, nas festividad­es do Rio Vermleho em homenagem a Iemanjá.

O coroamento da reoxigenaç­ão turística se deu com a inclusão de Salvador na lista das 52 cidades que merecem ser visitadas em 2019, elaborada pelo influente jornal americano The New York Times. O desafio, agora, será consolidar o trabalho realizado a partir de 2013, para evitar a reprise do que ocorreu na década anterior.

Ao mesmo tempo, será necessário investir pesado para revigorar o turismo de negócio e eventos, que só não se esfacelou por completo devido a iniciativa­s tocadas pelo empresaria­do e apoiadas pelo poder público municipal. Nesse compasso, o novo Centro de Convenções, provavelme­nte, fará de 2020 um ano bem melhor que o atual para a cidade.

Para além dos números, basta abrir os olhos para perceber que, sim, Salvador está mais cheia que nos anos anteriores

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