Massacres e jornalismo
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Das páginas dos principais veículos de informação às postagens de leitores e telespectadores, choveram críticas à forma como a imprensa expôs imagens e detalhes chocantes dos responsáveis pelo massacre na escola de Suzano (SP), onde 10 pessoas morreram, incluindo os assassinos. Cenário frequente de casos semelhantes, em que garotos muito jovens decidem que vão matar inocentes sem razão, os Estados Unidos reivindicam para si a autoridade de dizer o que é recomendável e inadmissível em termos de comportamento da imprensa na cobertura desses episódios.
Com uma longa história do que eles hoje chamam de “mass shooting”, tiroteio em massa, os americanos têm uma espécie de protocolo e reivindicam à imprensa do país colocar em prática quando uma nova tragédia dessa natureza acontece. A ordem imperiosa é: primeiro, impedir a todo custo que os autores, independentemente de estarem mortos ou sobreviverem e serem presos e condenados, ganhem notoriedade pelos meios de comunicação. Segundo, evitar que os métodos usados e as etapas e cenários do planejamento do ataque sejam noticiados. A imprensa deve concentrar a cobertura nas vítimas e na ação da polícia.
ASSINATURA
Descrever em detalhes os autores desses massacres, exibi-los com destaque em imagens, biografá-los e descrever suas rotinas é considerado um gesto jornalístico ao mesmo tempo de estupidez e de incentivo para que novos desajustados entrem em cena, encorajados pela cobertura, e copiem o comportamento dos antecessores.
Os pesquisadores de fora do campo da comunicação e do jornalismo provam por A + B que o objetivo maior dos autores dos tiroteios em massa, mais ainda que as mortes em si e que o número de vítimas, é alcançar o máximo possível de repercussão na imprensa. Para estudiosos desses crimes, a repercussão na imprensa é o prêmio buscado desde a primeira ideia dos criminosos. Ter rostos e nomes com destaque nos veículos é como imprimir a assinatura do crime na história, legitimar a fama, comprovar o quanto foram bem-sucedidos em seus planos.
SUICIDAS
Um dos maiores jornais impressos brasileiros recebeu uma avalanche de críticas por publicar na capa e com destaque uma foto colorida de um dos criminosos, usando uma máscara, empunhando uma arma e em uma posição de ameaça e desafio. Para o público, era a imagem de heroificação do assassino. Não à toa, fóruns de reuniões da chamada deep web, dimensão da internet onde se dá a prática e discussão sobre tudo o quanto é tipo de crime, comemorou a foto, a manchete e a veiculação dos vídeos.
Centrados em promover o ódio e pregar a morte de negros, gays, mulheres, pobres e nordestinos, esses fóruns, fechados, os chans, consideraram os dois assassinos heróis, por conseguir gerar ampla repercussão na imprensa. A foto na capa dos jornais foi comemorada como um troféu. O que os críticos cobram do jornalismo é que seja dado aos autores desses tiroteios o mesmo tratamento jornalístico dado aos suicidas. O suicídio é um dos principais tabus do jornalismo, e a não ser que a vítima seja uma personalidade famosa, a orientação é ignorar o fato. Noticiar suicídios é sinônimo de estímulo à imitação do gesto por parte de pessoas depressivas ou vulneráveis.
Do mesmo modo, diz-se agora que dar divulgação ao nome, às imagens e aos métodos de planejamento dos atiradores em massa é incentivar outros jovens violentos e desajustados a adotarem práticas semelhantes para tornarem-se “imortais” ao serem objeto de notícia. O desafio do jornalismo sob essa acusação não é pequeno: como informar a população sobre todas as variáveis de crimes tão complexos sem correr o risco de entrar para a história como coadjuvante de massacres de inocentes?