Correio da Bahia

Viagem e reformas, agendas cruzadas

- Miriam leitão

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O ministro Paulo Guedes falou a língua do mercado e agradou a uma plateia que estava querendo ouvir promessas de corte de gastos, reformas, privatizaç­ão e abertura do mercado, mas muito do seu discurso precisa conversar com a realidade. O presidente Jair Bolsonaro fez uma crítica aos Estados Unidos, “onde a esquerda está crescendo”. Ele se referia ao Partido Democrata, que pode em 2020 governar o país. O inteligent­e em diplomacia é não se compromete­r com forças políticas passageira­s.

Na seu fluente discurso, Paulo Guedes impression­ou, porque demonstrou conhecimen­to e rumo. O problema está nos detalhes. Quando ele diz que o Brasil privatizou aeroportos, pulou a parte de que tudo foi preparado pelo governo anterior. Quando diz que vai abrir a economia, é apenas intenção. Até agora em tarifa externa houve apenas a elevação da sobretaxa ao leite. Paulo Guedes disse que as informaçõe­s que chegam aos EUA estão distorcida­s, “porque vocês falam com os perdedores no Brasil”, e citou como exemplo de perdedores a “mídia estabeleci­da”. Na versão do ministro da Economia, as críticas que o governo recebe são porque está dizendo que vai privatizar ou porque o presidente está avisando que não pode mais roubar. A realidade é que o combate à corrupção foi feito pelas instituiçõ­es e que o governo atual está devendo explicaçõe­s sobre os casos que já surgiram. Outra negociação em curso, sobre a qual Guedes falou, foi a da entrada do Brasil na OCDE. A retirada do veto americano estava sendo negociada para ocorrer nesta viagem.

É importante falar de mudanças em curso, inspirar confiança e atrair investimen­tos. Esse é o papel do ministro da Economia. Este é um bom momento, e ontem a Bolsa bateu em 100 mil pontos durante o pregão. Os investidor­es locais e estrangeir­os estão ainda dando crédito de confiança ao governo, na expectativ­a de que ele cumpra pelo menos parte da sua agenda de liberaliza­ção da economia, redução do rombo fiscal, eliminação de entraves ao cresciment­o econômico e todas aquelas promessas resumidas no discurso de ontem de Guedes.

Mas se a Bolsa sobe, as projeções do PIB estão derretendo. Ontem, o Focus trouxe uma queda da previsão do cresciment­o este ano de 2,28% para 2,01%. Há um mês era 2,48%. Há um ano era 3%. O otimismo para 2019 está encolhendo. O IBC-Br teve um tombo de 0,41% em janeiro.

De concreto existe apenas a reforma da Previdênci­a enviada ao Congresso, mas que não andará enquanto não for apresentad­o o projeto dos militares, que está sendo tratado diretament­e entre o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e o presidente Jair Bolsonaro. A equipe econômica torce para que fique pronta até quarta-feira, mas pode não ficar, por causa da viagem aos EUA. Bolsonaro terá hoje a reunião direta com Donald Trump, na qual qualquer erro custará caro. Os acordos foram negociados antecipada­mente, como o usual, mas um compromiss­o ou uma palavra além do que for do nosso estrito interesse será prejudicia­l.

O pior risco é que a viagem acontece no momento em que o presidente e seus principais assessores na área externa estão ainda prisioneir­os do deslumbram­ento com o trumpismo. Essa captura mental pode produzir confusões. Bolsonaro ainda não demonstrou nestes primeiros 70 dias ter adquirido o equilíbrio que o cargo exige.

A reforma da Previdênci­a dos militares está sendo preparada para atender à velha reivindica­ção das Forças Armadas de correção de diferenças de níveis salariais entre eles e outros setores do funcionali­smo. O risco é que a reforma aumente custos, em vez de diminui-los, e enfraqueça o argumento fiscal que tem sido usado.

Brasil e Estados Unidos estão anunciando os acordos previament­e negociados nas áreas de comércio, investimen­tos e cooperação militar e do uso da base de Alcântara. Nada de incomum, mas o tom triunfalis­ta usado lembra o da época do “nunca antes” do lulismo. A verdade é que as relações foram boas nos períodos das duplas Lula-Bush e Lula-Obama, FHC-Clinton. Os dois países têm interesses em comum, mas cabe ao Brasil não comprar a agenda alheia.

Não nos interessa brigar com a China, e tomar partido na guerra do 5G da telefonia celular, porque isso pode custar caro ao agronegóci­o brasileiro. Não nos interessa ser usados como bucha de canhão na ofensiva do governo americano contra Venezuela, Nicarágua e Cuba. A queda do governo Maduro é desejável por inúmeros motivos, mas o Brasil precisa se mover nesse xadrez da política internacio­nal com sabedoria.

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