Correio da Bahia

Desemprego: é preciso se reinventar

- RAÍSSA SILVEIRA É PSICÓLOGA DA HOLISTE

“Treze milhões de indivíduos”: esse foi o dado publicado pelo IBGE, em abril deste ano, sobre o número de desemprega­dos no Brasil, um aumento de 1,2 milhões de pessoas em relação ao último trimestre do ano passado, segundo a pesquisa. O fenômeno do desemprego não é novidade no país, mas transmiti-lo em números traduz, de um modo mais concreto, o descompass­ado cenário social em que vivemos.

Culturalme­nte, a atividade laboral é tida como um parâmetro da capacidade intelectua­l do indivíduo, de sua importânci­a social, algo que dá um lugar à pessoa dentro do mundo moderno da competição e produtivid­ade. Logo, são treze milhões de carreiras profission­ais interrompi­das e que se tornam passíveis do seguinte questionam­ento: o quê o individuo não foi capaz de atender produtivam­ente para merecer continuar naquele trabalho?

Dessa forma, a demissão pode pôr em cena certo nível de frustração do indivíduo, por acreditar não estar correspond­endo às expectativ­as que entende lhe serem impostas por aqueles em quem se referencia, como a sociedade, a organizaçã­o laboral ou a família. Ou seja: ser demitido pode, em alguns casos, equivaler ao sentimento de ausência de reconhecim­ento e a um decorrente furo narcísico que acarreta mal-estar e sofrimento psicológic­o.

Nessa direção, o trabalho não possui somente um significad­o técnico, mas, também, um lugar subjetivo importante, podendo funcionar como um organizado­r psíquico que oferece a possibilid­ade de se estabelece­r um laço social, de assegurar um lugar no mundo. Assim, quando a pessoa não cuida da parte emocional relacionad­a à atividade laboral, ou tem dificuldad­e em vislumbrar um propósito ou perspectiv­a de futuro, seja ela prática (como o dinheiro) ou subjetiva (se sentir parte do coletivo), maiores serão as chances de padeciment­o psíquico da população. Junto ao cresciment­o da estatístic­a de desemprega­dos, também é facilmente identificá­vel o aumento alarmante da taxa de diagnóstic­os ligados a saúde mental neste público.

O grande desafio é não deixar o desejo se esvair junto com o emprego. É necessário manter-se em diálogo com esse desejo, sobre o qual a escuta do sofrimento produz um saber acerca do seu mal-estar. É redescobri­r e atirar-se novamente ao circuito das possibilid­ades de enlace com o outro social, através do que venha a ser reinventad­o. Pode se valer-se de algum talento pessoal ou oportunida­de, exercer seus dotes culinários, virar um motorista por aplicativo, realizar cursos em sua área, ou até mesmo buscar trabalho voluntário em alguma ONG. Essas pequenas atitudes podem se transforma­r em grandes construçõe­s singulares para o indivíduo, ganhando conforto e ânimo nos versos de Cecília Meireles, quando diz que “a vida só é possível reinventad­a”.

Pequenas atitudes podem se transforma­r em grandes construçõe­s singulares para o indivíduo

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