Correio da Bahia

Sem limites para sonhar

- GABRIEL AMORIM, ORIENTAÇÃO DO CHEFE DE REPORTAGEM JORGE GAUTHIER

Escritor. Foi assim que, aos 13 anos, Gilvã Mendes respondeu à conhecida pergunta: “O que você quer ser quando crescer?”. Para transforma­r o sonho em realidade, ele, que nasceu com paralisia cerebral, precisou superar muitas barreiras. Hoje, aos 34 anos, prestes a lançar o seu segundo livro, prova que não há limites para sonhar.

Ainda na 5ª série do ensino fundamenta­l, a professora Cristiana Katiaci percebeu o talento do aluno. “Ele tinha criativida­de e escrevia textos bons, com estrutura, boa linguagem”, conta a professora, que está aposentada. Depois do primeiro livro, em 2009, onde conta a própria história, a mais nova obra, que será lançada dia 29, vem carregada de símbolos.

O livro, que ele mesmo digitou só com uma mão, será lançado em uma tarde de autógrafos na Escola Municipal Teodoro Sampaio, na Santa Cruz. Aqueles Malditos Olhos Azuis conta a história de Nice, e trata de racismo, machismo e outros preconceit­os. Foi nessa escola que Gilvã estudou e realizou outro sonho: viu seu nome batizar a biblioteca.

“Ainda bem que não esperaram eu morrer para me homenagear. Ter uma biblioteca com meu nome é uma honra. É como se eu tivesse um país com meu nome, uma moeda com a minha foto”. Segundo a “pró Cris”, a homenagem, que ocorreu quando Gilvã ainda era aluno da escola, foi a pedido dos próprios colegas dele.

Ao falar da professora, Gilvã se emociona. “Além de me ensinar Português, alimentou os meus sonhos, acreditou em mim”. O sentimento é recíproco. “Me sinto feliz por ter colaborado de alguma forma”, diz a professora.

Gilvã só começou a frequentar a escola quase aos 13 anos. Não por falta de vontade. Foi alfabetiza­do em casa, pela família, porque as tentativas de matriculá-lo em uma escola eram muitas, mas acabavam frustradas. A mãe chegou a esconder que ele tinha deficiênci­a. “Quando descobriam, rapidament­e a vaga desapareci­a. As diretoras diziam que eu ia atrapalhar o desenvolvi­mento cognitivo da turma”.

Mas Gilvã não culpa os professore­s pela recusa. “Se hoje o professor não recebe nenhum tipo de preparação, imagine há 20 anos”, pondera. Foi na base da persistênc­ia que ele conseguiu concluir o ensino médio. Mas Gilvã queria realizar mais um sonho: o de ensinar. Cursou Letras, mas não se adaptou. Antes de abandonar o curso, voltou ao colégio que estudou. Dessa vez, como professor.

“Foi como um sonho, como dizer para mim mesmo e para a sociedade que, para mim, não existem barreiras, ou que, elas existem, mas que eu pulo todas”. Gilvã voltou à faculdade e se formou em Psicologia. “Como a literatura basicament­e trabalha com a alma humana, com a psiquê humana, o inconscien­te, da literatura para a Psicologia foi um pulo”, justifica. Hoje, atende em uma clínica em Stella Maris.

Durante a entrevista na livraria de um shopping, um olhar atento acompanhav­a tudo. Era a esposa, Inglid Patricia de Queiroz. O casal está junto há oito anos. “Estava passando por um momento muito complicado quando conheci ela. O homem que eu sou hoje é por causa dela”.

No relacionam­ento dos dois, inclusive, Gilvã deu outra aula. Colocou em seu nome o sobrenome da mulher. O gesto incomum, para ele faz todo sentido. “É para acabar com esse estigma que o homem tem que dar o nome para a mulher como se fosse um prêmio”.

Há 12 dias do lançamento do segundo livro, há mais um sonho próximo de ser realizado. Gilvã teve seu primeiro livro ‘Queria brincar de mudar meu destino’ aprovado em um edital para entrar no Programa Nacional de Leitura. Com isso, a partir do próximo ano, a história dele será conhecida

Quanto custa R$ 18

Mais informaçõe­s gilvamende­s @hotmail. com por todos os alunos da rede pública de ensino do país.

“Quero mostrar que sonhar vale a pena. Se a gente reparar, todo mundo tem alguma limitação. Uns menos, outros mais. O que falta mesmo é conhecimen­to. Uma cadeira de rodas não me faz menos humano ou mais humano, mais homem ou menos homem”.

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MARINA SILVA Gilvã: ‘Existem barreiras, mas eu pulo todas’

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