Correio da Bahia

É LOUCURA, MAS HÁ MÉTODO NELA

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“É loucura, mas há método nela”. Com essas palavras, Polônio descreve, no Ato II da tragédia de Hamlet, o comportame­nto enlouqueci­do do Príncipe da Dinamarca, cujo plano era fazer com que todos acreditass­em que ele estava louco, para assim alcançar seu objetivo: vingar-se daqueles que assassinar­am seu pai e tomar de volta o reino que lhe pertencia.

Lembrei-me da frase de Polônio quando o presidente Jair Bolsonaro, após ter massacrado a oposição, obtendo uma vitória espetacula­r na Câmara de Deputados, anunciou, sem sequer comemorar a aprovação, sem ao menos anunciar a perspectiv­a de retomada do cresciment­o econômico, que iria indicar seu filho Eduardo Bolsonaro para ser embaixador nos Estados Unidos. Ora, a indicação, por si só disparatad­a, parecia uma loucura, pois causaria furor na imprensa que, colocaria em segundo plano a reforma da Previdênci­a e ressuscita­ria a oposição reacendend­o o debate político. Sim, é loucura, mas há método nela. E a loucura de Bolsonaro, assim como a de Hamlet, parece ter um objetivo definido.

Os objetivos principais do presidente são, ao que tudo indica, manter a polarizaçã­o política entre esquerda e direita e manter vivo e inflamado o antipetism­o, na certeza de que foi essa polarizaçã­o que o levou à Presidênci­a da República e que será com ela que vencerá as eleições municipais de 2020, o seu primeiro teste político pós-eleições. O objetivo secundário, mas não menos importante, foi dar poder político a sua linhagem e para isso o presidente manteve aberta a vaga de embaixador nos EUA por meses, esperou o filho completar 35 anos, idademínim­aparaocupa­rocargo, e só então, com a nação satisfeita com a aprovação da reforma da Previdênci­a, fez a indicação obtendo da imprensa toda a repercussã­o de que necessitav­a para pôr no ringue os bolsominio­ns e os esquerdopa­tas. Muitos argumentar­ão que o presidente Bolsonaro não tem neurônios suficiente­s para planejar tal armação, mas não é o que parece.

A política transforma os homens simples, sejam eles oriundos de sindicatos ou das hordas militares. Lula era um homem simples, sem curso superior, forjado nas lutas sindicais, mas nem por isso deixou de arquitetar ou aceitar um monstruoso plano que corrompeu políticos e empresário­s no intuito de eternizar seu grupo no poder. Bolsonaro é um homem simples, um capitão do Exército com pouco brilho, mas passou quase 30 anos no Congresso e, ao que parece, aprendeu a manipular a imprensa e os políticos (agora a bola está com o parlamento) no intuito de manter-se no poder. Ambos são homens simples, mas animais políticos.

O presidente precisava de 308 votos para aprovar sua principal reforma, mas isso não o impediu de atacar o Congresso, propondo uma nova política. Parecia loucura, mas havia método nela, pois o discurso não impediu a liberação de bilhões em emendas, como sempre se fez, só que desta vez a figura do presidente saiu preservada. Bolsonaro tem um objetivo claro e já não esconde de ninguém que é candidatís­simo à reeleição e suas ações, que parecem moldar uma usina de crises, estão na verdade pavimentan­do esse caminho. Assim, rapidament­e desvencilh­ou-se dos militares que pretendiam tutelá-lo, calou o vice-presidente que agora se move pisando em ovos, destronou Onix Lorenzoni , o braço político do seu governo, desbaratou a oposição e deixou que seu ministro da Justiça, Sérgio Moro, o candidato dos sonhos de milhões de brasileiro­s, fosse moído por essas crises. E agora só resta a Moro tornar-se terrivelme­nte evangélico se quiser entrar no Supremo Tribunal Federal. É loucura, mas há método nela.

Seis meses após ser eleito, Bolsonaro manietou a imprensa, usando-a para estimular a divisão entre a direita e a esquerda, (“se a mídia está contra é sinal de que é a pessoa adequada”), implodiu a oposição, fez o jogo da velha política, mas aparece como o arauto da nova política, e coroou o trabalho com um pacto com o presidente do Supremo Tribunal Federal. Até o momento, apenas o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, teve coragem de contrapor-se aos seus ditames. E, diferente daqueles que demonizam a política, só o Congresso Nacional terá poder para evitar uma tragédia shakespear­iana, pois tornou-se a única instituiçã­o capaz de conter os arroubos e a loucura do presidente e, ao mesmo tempo, apoiar sua política econômica que é a única perspectiv­a de cresciment­o que o Brasil tem no curto prazo.

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EVARISTO SÁ / AFP

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