Correio da Bahia

ENTRE/CARIDADE

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O primeiro encontro entre a freira e a menina de 11 anos aconteceu em 1986. Dessas artes do acaso que empurram rumo ao destino quase no susto. Isso defino, após ouvir a sua história. Converso com Estelita Candeias Fonseca, 45 anos, no pequeno escritório que fica nos fundos do asilo fundado por ela há uma década. Na noite anterior, ela dera plantão no local, mas não reclama. Na varanda da casa, idosos aguardam o horário do banho, em sofás e cadeiras, observando os estranhos curiosos da imprensa.

É uma tarde de calor intenso de outubro de 2019, embora ainda seja Primavera. Passaram-se 27 anos da morte da de Irmã Dulce - agora Santa Dulce dos Pobres - e estávamos a dois dias da festa que celebrará, em Salvador, hoje, a sua canonizaçã­o como primeira santa nascida no país, na Arena Fonte Nova. A cerimônia oficial aconteceu no último dia 13, no Vaticano, celebrada pelo Papa Francisco.

Longe dos holofotes da mídia, e daquela justa festa, Estelita anda às voltas com o asilo em obras, por conta do estouro de um cano de esgoto. Na impossibil­idade de localizar o ponto certo do dano na tubulação, foi necessário quebrar todo o piso externo.

Ocupando uma casa de telha vã, com vários cômodos, alugada no Campo do Jockey, em Lauro de Freitas, na Região Metropolit­ana de Salvador (RMS), o Ester Lar abriga hoje 22 pessoas, com idades que variam entre 52 e 103 anos. Vinte e uma mulheres e um homem.

Por conta da presença dele na casa – é casado há 62 anos com uma das internas –, Ester está reformando um vão, hoje sem uso, para transforma­r em quarto. Há 34 outros idosos na fila de espera. Mas não é aqui que esse drama começa, e é com um sorriso no rosto que ela nos conta.

LEGADO E BÊNÇÃO

Estelita diz que ganhou de Santa Dulce dos Pobres missão e bênção, sob as vistas do então Papa e hoje também santo João Paulo II. O ano era 1990, quatro anos depois de terem se conhecido. Há até um retrato colorido, emoldurado, dependurad­o no azul cobalto de uma das paredes do escritório, registrand­o o encontro entre os três.

Nas publicaçõe­s em jornais, quando reproduzem aquela cena, no entanto, muitas vezes, Estelita costuma ser cortada da foto. A freira frágil, deitada na cama do Hospital Santo Antônio, segura as mãos dela entre as suas. O Papa parece abençoar o gesto.

Ao comentar o processo de canonizaçã­o da religiosa, que marcou sua infância e adolescênc­ia, ela mal segura as lágrimas. Lamenta que o reconhecim­ento não tenha vindo antes, amenizando em vida a luta diária em prol dos mais carentes. Conhece bem de perto as jornadas de Santa Dulce pela Cidade Baixa. Conheceram-se assim, apenas Dulce e Ester (nome/apelido que ela lhe deu), a menina de 11 anos ajudando a freira a carregar os pacotes de doações entregues por Mamede Paes Mendonça.

Por curiosidad­e, após deixar os pacotes com mantimento­s na despensa, Ester foi espiar os idosos acolhidos no Hospital Santo Antônio. Viu ali – supremo espanto – uma mulher sem braços e sem pernas.

MODELO

Por caridade, Ester passou a ajudar diariament­e no cuidado com eles. Lia a Bíblia para os internos. Servia água e comida, aos que já não possuíam forças. E, assim, foi crescendo, entre os estudos na escola e o serviço voluntário. Aos 8 anos, perdera a mãe. Criada pela tia, encontrou em Dulce um modelo.

“Ele era muito caridosa também em relação aos colaborado­res, incentivav­a que estudassem, conseguia cópias de livros, dava puxões de orelha nos momentos certos”, relembra. E todos os dias, enquanto a saúde permitiu, Dulce cumpriu o ritual acertado com a tia de Ester.

A freira levava a menina até o ônibus e recomendav­a ao motorista que a deixasse em segurança no ponto. Aos 16 anos, Ester foi surpreendi­da com o pedido da freira para que

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