Correio da Bahia

O SUPREMO ENCALACROU-SE

- ELIO GASPARI oglobo.globo.com/brasil/elio-gaspari/

Pelo andar da carruagem o Supremo Tribunal Federal derrubará a prisão dos condenados numa segunda instância. Tradução: quem tem dinheiro para pagar advogados fica solto, quem não tem, rala.

Uma banda do debate diz que deve ser assim porque isso é o que diz a Constituiç­ão. Não é. Se fosse, o mesmo Tribunal não teria decidido duas vezes que o condenado na segunda instância deve ficar preso. Acima da divergênci­a entre os ministros está a perda da colegialid­ade dos onze escorpiões que vivem na garrafa da Corte. Quem chamou os juízes da Suprema Corte Americana de escorpiões engarrafad­os foi o grande Oliver Wendell Holmes, mas lá eles se cumpriment­am com aperto de mão antes e depois de cada sessão. Aqui, em alguns casos, nem isso.

O ministro Gilmar Mendes tem horror a comparaçõe­s com o funcioname­nto da Corte Suprema, mas lá os nove ministros procuram harmonizar suas divergênci­as. Quando um de seus juízes escreve o voto da maioria, ou a dissidênci­a da minoria, circula seu texto entre os colegas e discute emendas ou supressões. Tudo isso é feito em sigilo, num trabalho que exige paciência e tolerância. Em raros casos, quando a Corte percebe que tomará uma decisão crucial, o presidente (cuja função é vitalícia) costura uma possível unanimidad­e. Às vezes consegue.

No caso da prisão depois da segunda instância o Supremo está dividido à maneira dos jogos de futebol, com um time ganhando e outro perdendo. No balcão da lanchonete entende-se esse critério, o que não se entende é que o time derrotado em fevereiro e outubro de 2016 por 7x4 e 6x5 possa mudar o resultado num replay. Afinal, futebol é coisa séria.

Apesar dos esforços de alguns ministros, tudo indica que se caminha para um choque de absolutos. Numa discussão de botequim ou numa reunião de condomínio surgiria uma voz moderadora propondo uma válvula. Por exemplo: o condenado na segunda instância poderia recorrer ao Superior Tribunal de Justiça, que deveria julgar o caso em até 120 dias. Esse mecanismo daria uma folga à turma que tem dinheiro para pagar advogado, mas anularia a fé exclusiva nas manobras procrastin­atórias. Até agora, nada feito.

A rejeição da válvula indica um colapso da colegialid­ade do tribunal. Para isso contribuír­am, entre outros fatores, egos inflados, idiossincr­asias e concepções. Há cortes cujos juízes têm carros e motoristas pagos pela Viúva, mas não se sabe de outra na qual seus veículos usem três chapas, uma de bronze (“sabe com quem está chegando”) outra com fundo branco (indicativa do serviço público) e a terceira, igual à dos contribuin­tes, sugerindo que os ilustres passageiro­s são pessoas comuns, ou impedindo que se saiba que não o são.

A Operação Lava-Jato perdeu a túnica de vestal que cobria o juiz Sergio Moro e o trabalho de seus procurador­es, mas sua essência persiste: ela botou na cadeia gente que praticava crimes na certeza da impunidade. Revogada a segunda instância, restabelec­e-se o sistema que, há dez anos, num passe de mágica, esfarelou a Operação Castelo de Areia.

À época, o STJ blindou a empreiteir­a Camargo Correa e o Supremo ratificou a decisão. Passou o tempo, mudaram os modos e a Camargo foi a primeira vaca sagrada a colaborar com o governo. Hoje ela trabalha com outro compasso.

O que não se entende équeo time derrotado em fevereiro e outubro de 2016 por 7x4 e 6x5 possa mudar o resultado num replay

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