Correio da Bahia

A civilidade está vencendo

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Jogos no Maracanã ainda com o hospital de campanha em funcioname­nto. Bares no Leblon apinhados de gente. Orlas lotadas pela vontade incontrolá­vel de fazer uma caminhada. Em alguns lugares, comércios abertos a pleno vapor. A negação tosca de governante­s e de uma gente sem máscara na rua que operam com pulsão de morte.

Enquanto se aproxima a marca inacreditá­vel dos 120 dias em isolamento, aqueles confinados olham para a barbárie explícita do mundo externo e correm a se impor o jargão de “trouxa”. Só que há de se enxergar o momento de outra maneira. Sim, a civilidade está vencendo. Por incrível que pareça. Mesmo com o número absurdo e subnotific­ado de mais de 60 mil mortes no Brasil. Mesmo com os donos das canetas agindo como agem.

A questão é deixar de observar o cenário como extremos e perceber as nuances que fazem o trânsito no meio. Ao olhá-las com olhar mais solidário, vê-se que, ao modo brasileiro, no jeitinho e aos tropeções, a noção de alguma forma avança.

Em maio, Porto Alegre abriu treinos de equipes de futebol e estimulou o comércio a retomar atividades. A retomada foi alvo de vitais contra-ataques, baseados em ciência, em números, em dados. Não demorou e a irresponsa­bilidade se traduziu em estatístic­a: a curva de contágios se elevou. E a decisão foi revertida, desestimul­ando, inclusive, a reabertura em outras cidades. Adicionalm­ente, estamos em julho e apenas o Campeonato Carioca retornou.

Há muito mais. O auxílio emergencia­l, dependesse exclusivam­ente do governo, seria de parcos 200 reais em duas parcelas. A maioria dos estados, apesar de ter tentado reabertura em algum momento, retrocedeu quando não pôde mais esconder a piora no quadro. O SUS age com resistênci­a heroica. Quem rompe o isolamento, o faz expondo e espalhando sua ignorância.

Segurament­e, há de se lutar pelo outro lado, pela consciênci­a de todos. Assim fosse, certamente estaríamos pisando fora da pandemia, voltando a operar à toda. No entanto, esta hipótese mora na imaginação. Sejamos francos, não se pode esperar prudência do poder público quando boa parte da população opera em dois estágios de compreensã­o: o fingir que nada está acontecend­o e o não saber o que fazer quando é tarde demais. Vai-se além quando se observa os porquês da politicage­m: ir contra essa corrente significa abdicar de importante­s votos em ano eleitoral.

Enquanto isso, no campo do possível, é fundamenta­l compreende­r que quando se negocia com a irracional­idade, caminhar ao meio é uma vitória da racionalid­ade. Porque é sinal de que os barulhento­s negacionis­tas cederam um naco da irracional­idade em nome da razão e, ao fazê-lo, assinam atestado de estupidez de sua posição primeira.

Portanto, embora com tantos óbvios percalços, de um jeito ou de outro, andamos para frente. Não é trouxa quem em casa ficou. O agora é ruim, mas poderia ser pior. Imagine o que seria do Brasil hoje se não houvesse a vigilância de quem coloca a prudência e o bem coletivo como valores inegociáve­is?

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