Nocivas insurgências
Desde os primeiros sinais de avanço da pandemia, Salvador se tornou uma das principais referências no enfrentamento e prevenção contra o novo coronavírus entre as capitais e grandes cidades brasileiras. As medidas, apesar de duras, sempre se basearam na justificada necessidade de preservar vidas e a saúde das pessoas, prioridade máxima em políticas de cunho humanitário. No combate frente a um inimigo invisível e galopante, setores econômicos enfrentaram e ainda enfrentam grandes dificuldades, em especial, o comércio, onde a gigantesca maioria tem dado sua cota de sacrifício em nome do bem comum. O que coloca na contramão o movimento iniciado recentemente por uma pequena parcela de comerciantes em alguns bairros da capital.
O ápice dessa maré reversa ocorreu na manhã da última terça-feira, quando um grupo, sob a liderança de empresários de Águas Claras, fecharam a BR-324 em protestos contra as restrições impostas pela prefeitura para conter a propagação do vírus no bairro, alvo de uma súbita onda de contaminação. Além da evidente desimportância com a integridade física da própria comunidade que sustenta seus negócios, os comerciantes da localidade causaram um engarrafamento de três quilômetros no sentido Feira de Santana-Salvador, gerando transtornos das mais variadas ordens para milhares de pessoas.
Não há qualquer objetivo nobre ou voltado ao bem-estar coletivo em atitudes como essa. Elas refletem apenas o sentimento de membros da sociedade preocupados exclusivamente com lucros ainda que seja amparado no discurso de preservar empregos e rendas de trabalhadores. A vida de todos, nunca é demais recordar, ocupa sempre o primeiro lugar.
É claro que o comércio em toda sua dimensão vem sentindo, como poucos segmentos da economia, os efeitos de medidas restritivas. Da mesma forma, é mais que óbvio que as travas determinadas pela prefeitura, em trabalho conjunto com o governo do estado, não foram adotadas sem critérios técnicos e científicos que a justifiquem. No caso específico de Águas Claras, o bairro de cerca de 40 mil habitantes vive sob ameaça de um salto exponencial de covid. Portanto, é dever do poder público agir para controlar a circulação do vírus enquanto ainda é possível.
O mesmo tipo de restrição foi implementado em dezenas de outros bairros da capital e contribuíram para barrar o avanço da doença. Nesses locais, comerciantes, em especial, os pequenos, também amargaram dias difíceis, mas começaram a respirar um pouco melhor devido ao sucesso do plano de contenção setorizado imposto pela administração municipal.
De modo idêntico, shopping centers, galerias comerciais e lojas de rua instaladas na região central de Salvador permaneceram fechadas durante quatro longos meses e a partir do fim de julho entraram no modo de reabertura gradual e segura. Todos deram sua cota de contribuição para cumprir protocolos exigidos. Exemplos como esses deveriam ser seguidos por quem, agora, se insurge contra políticas de preservação da saúde e, por relação direta, contra a vida do outro.