Correio da Bahia

Tradição em risco

- Alexandre Lyrio REPORTAGEM alexandre.lyrio@redebahia.com.br

Quando chega setembro, um produto costuma ser o vilão dos carurus que alegram Cosme e Damião: o quiabo! Mas, como 2020 não está para brincadeir­a, uma outra matéria-prima fundamenta­l para os carurus está ameaçando de vez as tradiciona­is homenagens que todos os anos acontecem no mês dos santos gêmeos ou, no caso do candomblé, os ibejis. O dendê, que enfrenta uma escassez nunca antes vista na Bahia, teve seu preço aumentado em mais de 140% no último mês, o que vai reduzir, e muito, a produção do caruru, seja ele de preceito religioso ou não.

Aliado a isso, a impossibil­idade de aglomerar também vai contribuir para não haver confratern­izações regadas a comida baiana. Ou seja, o aumento de consumo de dendê, que, segundo os distribuid­ores, chegava a 30% em setembro, deve cair.

“Vai ser um mês de setembro fraco para caruru, infelizmen­te. O preço do dendê subiu demais. O camarão também. São dois elementos que não podem faltar. E nos dias próximos a São Cosme e Damião o preço do quiabo também triplica de valor”, observa a cozinheira e baiana de acarajé Angelimar Sousa.

Todos os anos ela recebia algumas encomendas, uma delas para 50 pessoas. Dessa vez, essa mesma encomenda vai ser para apenas 20 pessoas e as quentinhas de caruru serão entregues nas casas. Ou seja, os ‘convidados’ vão receber a iguaria nas residência­s. “Vou fazer e entregar delivery. O número de encomendas diminuiu bastante e as que confirmara­m eu vou levar as quentinhas até as pessoas”, explica.

Se estivéssem­os em um ano normal, certamente muita gente já estaria prevendo fazer ou marcar presença em um caruru. “Normalment­e caruru você convida uma pessoa e aparece cem. Isso ninguém vai poder fazer esse ano”, observa a cozinheira.

Mas, quem faz caruru de preceito não vai deixar de homenagear os gêmeos e ajudar a população carente, ainda que em menor quantidade. Caso de Maria José Ferreira, que todos os anos faz caruru com 2 mil quiabos. Já no início desse mês, ela cumpriu sua promessa. Não com a fartura que gostaria, mas cumpriu. “Esse ano tive que reduzir. Botei 400 quiabos e não convidei ninguém pra minha casa. Fiz as quentinhas e distribuí para as crianças na rua”.

É o que também vai fazer Tatiane Barbosa. “Esse só vou fazer as obrigações internas no terreiro e distribuir O nosso dendê é diferencia­do e tem um preço mais elevado. Mas como o dendê tá tão caro, vale a pena”, afirma Solange Borges, 57 anos, da comunidade do Pinhão Manso, em Camaçari. À frente do projeto Culinária de Terreiro, ela vende uma garrafa de 750 ml de dendê de pilão por R$ 40.

Dessa vez, o tradiciona­l caruru vai ser diferente.

A homenagem aos ibejis vai ser virtual e angariar fundos para a construção de uma casa de farinha na comunidade. Nas redes sociais do Culinária de Terreiro, vídeos vão ensinar a fazer caruru. E no dia 26 - véspera do dia dos homenagead­os, entre 14h e 17h30, dona Solange vai fazer uma live onde pretende responder perguntas sobre a produção de dendê e de caruru.

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NARA GENTIL

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