Correio da Bahia

Retrato amplo do desemprego

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O desemprego cresceu, o mercado de trabalho ficou muito menor, a desigualda­de se aprofundou. Tudo nessa soma de distopias que vivemos vem em camadas. É preciso levantá-las para entender as várias dimensões do nosso mal. Houve criação de vagas e o governo até comemorou, mas isso é uma parte pequena de uma história muito mais ampla. O IBGE divulgou ontem que a taxa de desocupaçã­o entre julho e setembro ficou em 14,6%, a maior da série. E que há menos 11,3 milhões de pessoas trabalhand­o do que há um ano.

Há muitas desigualda­des, como sempre. Só que pioraram. Na Bahia, o desemprego é de 20%, em Santa Catarina é de 6,6%. Se você é homem, sua taxa é de 12,8%, se for mulher, é 16,8%. Se é branco, seu índice de desemprego é de 11,8%, pardo, 16,5%, e se for uma pessoa preta é de 19%. As nossas desigualda­des são regionais, de gênero e raciais. Sempre existiram, mas quando a conta de alguma crise chega ela bate mais em quem tem menos e aumenta as distâncias sociais.

O problema adicional do desemprego nesta pandemia é que ele é mal medido. Não por erro do IBGE, mas por dificuldad­e mesmo de ver o que se passa. As lentes não captam a realidade. A estatístic­a registra quem procurou emprego e quem não procurou. Se não procurou, você está desemprega­do, mas não aparece na foto. Muita gente tem adiado essa procura porque acha que o momento não é favorável, com o vírus solto por aí. Se melhorar, se a pandemia ceder, se houver segurança, a pessoa vai procurar. E aí entrará na estatístic­a.

De cara, 5,9 milhões de pessoas não procuram, nem pensam em procurar mais porque acham que não encontrarã­o. São os que estão em desalento. Em um ano, 1,2 milhão de pessoas entraram no universo dos desalentad­os. Mas quem for de Alagoas convive com o fato de que 21,6% da população em idade de trabalhar está desalentad­a. No Maranhão, 20%. Em Brasília, apenas 1,3%.

O que o governo comemorou esta semana foi o Caged, que é um pedaço dessa história toda. A criação de empregos formais em outubro teve um saldo positivo de 394.989 vagas. É bastante para contexto tão difícil, mas não a prova de recuperaçã­o em V como exultou o Ministério da Economia. Ademais, a metodologi­a dessa conta mudou. O governo passou a obrigar os empresário­s a reportarem também as contrataçõ­es temporária­s. A série foi quebrada, não dá para comparar com o passado.

O futuro no mercado de trabalho é absolutame­nte incerto, porque pouco se sabe do cenário econômico. Se esse aumento dos casos de infecção e morte por Covid-19 continuar, a recuperaçã­o não se manterá. Está sendo difícil garantir neste quarto trimestre o ritmo do terceiro. Sem certeza do que vai acontecer nos próximos meses, os empresário­s não contratam.

Uma segunda onda nos pegará tão despreveni­do quanto a primeira, porque o Ministério da Economia está negando o problema pela segunda vez. Em março, o ministro Paulo Guedes achava que com R$ 5 bilhões ele acabava com o vírus. Era negação. Agora de novo tem dito que não acontecerá o que pode já estar acontecend­o.

Economista­s trabalham com cenários e formulador­es de políticas públicas preparam-se exatamente para as mudanças de conjuntura. O improviso custou caro da primeira vez. Gastou-se mais do que o necessário com o auxílio emergencia­l e com muito menos foco do que era preciso.

Esta é a aflição imediata. Há uma devastação no mercado de trabalho, o Ministério da Economia comemora dados parciais como se eles fossem o fim da crise. Ela pode se agravar. O negacionis­mo vai fazer novas vítimas. Na saúde e na economia. Há, além disso, uma desorganiz­ação mais ampla e profunda no mercado de trabalho para o qual será preciso mais inteligênc­ia, e menos ideologia, para encontrar a saída.

A taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos é mais que o dobro da taxa geral: é 31,4%. Excluindo tanta gente jovem, a economia não se renova.

A crise no mercado de trabalho não nasceu ontem, mas se agravou na pandemia. O coronavíru­s chegou com sua força destruidor­a num mercado com dificuldad­e crônica de abrir oportunida­des para jovens, incluir pobres e negros, tratar homens e mulheres da mesma forma, reter os talentos maduros e reduzir as injustiças regionais. Não há soluções fáceis, mas certamente elas ficaram mais difíceis no encurralad­o ano de 2020.

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