Que não seja apenas uma noite feliz
Com o aumento dos casos de covid-19 no estado, a ceia natalina está ameaçada; confraternizações acendem sinal de alerta
dias dos meses de abril, maio e junho, quando as notificações só cresciam.
“As pessoas acharam que o vírus não estava mais circulando entre nós”, analisa a subsecretária, que faz uma comparação com países do hemisfério Norte. Já vivendo a segunda onda, é possível que o que tem acontecido por lá seja um prenúncio do que está por vir, assim como aconteceu no primeiro semestre.
Por aqui, há outra constatação: além de as aglomerações, especialmente da vida noturna, terem aumentado nas últimas semanas, o número de pessoas que deixou de usar máscara ao sair de casa também tem crescido. O Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês), uma entidade ligada à Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos, projeta que o uso de máscaras na Bahia tenha ficado em torno de 63% no mês de setembro. Em junho, mês em que houve o maior percentual estimado, foi de 78%.
Mas não é preciso procurar muito para encontrar gente sem o equipamento de segurança por aí. No dia do primeiro turno das eleições, inclusive, o CORREIO mostrou esse cenário em alguns colégios eleitorais de Salvador: pessoas aglomeradas, sem máscara, fazendo boca de urna em bairros da cidade.
Para a subsecretária Tereza, a queda no uso de máscaras pode ter consequências graves nos futuros índices de covid-19 no estado. “A Bahia foi pioneira nisso, o que se refletiu nas taxas de ocupação. Aqui, a gente teve uma taxa de letalidade baixa e não teve ninguém morrendo na fila de espera. Mas, com essa quebra, esse cansaço, o imediatismo nessas últimas semanas, a gente fez a previsão de que em mais ou menos 15 dias, teríamos o reflexo disso”, diz.
De fato, a Bahia sempre teve índices maiores do que a média do Brasil quanto ao uso de máscaras. O máximo no país foi de 75%, também em junho. A projeção do IHME para setembro foi de 60%.
NOVEMBRO PERIGOSO
Esse reflexo já está nos números atuais. Ontem, a taxa de ocupação de leitos de UTI para covid-19 no estado era de 61%, enquanto na última quarta-feira, houve o segundo maior índice de novos casos confirmados do mês: 3.123 novos diagnósticos positivos. O número só é menor do que o dia 5 de novembro, quando houve 3.377 confirmações.
Já em Salvador, a ocupação dos leitos de UTI estava em 65%. Ainda na sexta-feira (27), o prefeito ACM Neto anunciou a reabertura de 30 novos leitos, para manter o percentual menor do que 60%. A prefeitura também anunciou a volta da testagem em bairros e distribuição de máscaras a partir da próxima semana.
Essa mudança de quadro quando os casos voltaram a aumentar - começou a ser notada pelos cientistas da Rede Covida em 4 de novembro. Segundo a pesquisadora Juliane Oliveira, doutora em Matemática e uma das responsáveis pela modelagem matemática, a tendência veio primeiro na capital.
Após semanas de queda, especialmente desde setembro, o crescimento foi uma surpresa. Havia uma expectativa de que, com a proximidade do verão, os casos diminuíssem - como aconteceu na Europa e como ocorre com a maioria das doenças respiratórias. Mas não foi assim.
“Esse aumento de casos alertou para um possível risco de segunda onda. É um fenômeno que lembra o início da epidemia, incluindo identificar quais são as medidas que têm que ser tomadas, qual é a situação social agora. Estamos entrando em um momento também típico de festas para dar um gosto ao Carnaval e também às festas religiosas”, explica Juliane.
O ciclo de festas populares em Salvador começaria na próxima semana, dia 4 de dezembro, com a celebração para Santa Bárbara. No entanto, também nesta sexta-feira, a prefeitura anunciou o cancelamento dessas festas, incluindo a Lavagem do Bonfim e a festa de Iemanjá. É possível que exista uma celebração simbólica, mas sem a participação de uma multidão.
QUINZENA
Uma das pessoas que entrou para essa estatística do aumento de casos em novembro foi a estudante de medicina Manuela Leal, 33. Ela começou
a ter sintomas no dia 6 deste mês. Assim que sentiu a congestão nasal e as dores no corpo, suspeitou da covid-19. Nos dias que seguiram, vieram os outros: cansaço, tosse e perda do olfato e do paladar.
Manuela tem mantido o isolamento desde o dia 18 de março, quando suas aulas presenciais na faculdade foram suspensas. No entanto, o noivo trabalha em um escritório e, mesmo usando máscara, acabou sendo infectado depois que um colega de trabalho contraiu o vírus.
“Ele fez o isolamento, mas eu já tinha entrado com contato com ele. Não saí para nada
Andréa Mendonça
conviver com a doença por alguns anos. “A vacina é um avanço fundamental para sair do cenário pandêmico. Agora, ela leva um tempo para gerar imunidade, tem os que não poderão tomar por uma série de restrições. Então, é importante continuar a considerar as medidas de proteção”, explica o cientista.
Atualmente, 48 vacinas estão sendo desenvolvidas em todo o mundo, já com testes em humanos. Dessas, 11 estão na terceira e última fase de testagem, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na avaliação do virologista, é provável que alguns tipos de imunizantes estejam disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). “Eu acho difícil que tenhamos apenas uma vacina no território nacional. Comprar lotes de todas que possamos ter disponíveis favorece a rapidez na imunização", disse Neris.
Ainda para o cientista, essas vacinas serão disponibilizadas primeiro para grupos prioritários como idosos, portadores de comorbidades e profissionais de saúde. "Depois, considerando a capacidade operacional e o caráter universal do SUS, a gente não espera que a regionalidade ou questões sociais e econômicas sejam um problema na imunização da população", afirmou.
Provavelmente, até aqueles que tiveram covid-19 poderão tomar a vacina ou um reforço, de acordo com o especialista. No entanto, ainda não está claro se a vacinação será obrigatória, algo que não é do interesse do presidente Jair Bolsonaro. “É claro que não dá para algemar uma pessoa e levá-la num posto, mas devemos criar mecanismos para garantir que a população tenha acesso à vacina”, defende o cientista.
Mesmo asmática e, portanto, fazendo parte do grupo de risco, Raniele Ramos informou que não vai tomar a vacina assim que ela estiver disponível. “Só vou após ver outras pessoas tomando e ter a certeza de que ela é segura”, apontou a estudante de pedagogia que está com a vida paralisada por causa da doença. “Assim que estiver imunizada, irei atrás de um estágio e vou ver meus familiares que vivem no sul do país”, afirmou.
Segundo o cientista, esse medo sentido por Raniele não é algo necessário. “Não há estudo confiável que indique problema de saúde a longo prazo por causa de uma vacina”, garantiu. Nesse sentido, a dona de casa Ana Celeste Lessa, 52 anos, não vê a hora da vacina chegar para ela e seu filho Davi, de 10 anos, que é asmático. “Eu confio na ciência e aguardo a chegada desse imunizante para que meu filho possa ir para a escola”, relata a mãe, esperançosa.