Correio da Bahia

A história de Floripes, primeira travesti assumida de Salvador

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tinha a inteligênc­ia adquirida na luta pela sobrevivên­cia. Se a provocação, por um mínimo deslize, resvalasse para ofensa, não tinha conversa, era chuva de murro ali mesmo.

Figura marcante no imaginário do centro de Salvador, por mais de uma década, foi vista desfilando na Rua Chile, Barroquinh­a e pela Baixa dos Sapateiros. Era também assídua nas festas de largo e não perdia um único Bonfim, Iemanjá ou Santa Bárbara. Usava galho de arruda atrás da orelha, saltando entre os fartos cabelos soltos ao vento. No pescoço, pendiam contas aos orixás.

“Era um homem negro, carregando símbolos do candomblé e, segurament­e, a primeira travesti assumida da cidade. E, embora carregasse marcas estigmatiz­adas pela sociedade, nunca se calou ou aceitou a submissão. Floripes andava pelos espaços de visibilida­de para dizer: ‘eu existo. E eu posso e mereço estar aqui’. Essa é sua importânci­a”, diz Adson Brito, professor de História e psicólogo, que mantém um grupo no Facebook (“Salvador tem muitas histórias!”) sobre eventos e personalid­ades marcantes da nossa capital.

IMPACTO

A chegada de Floripes precipitav­a sempre um acontecime­nto único, vencendo o tédio das tarefas rotineiras. As distintas damas soteropoli­tanas faziam beicinho, enquanto as mais radicais atravessam a rua ligeiro para demonstrar um prazer superior em não permitir a divisão da mesma calçada.

Os meninotes criados em bairros de luxo ruborizava­m e os “homens sérios de negócios” balbuciava­m (sem atrever aumentar o tom) ofensas direcionad­as à sua honra.

Floripes dava de ombros para aquele festival de menosprezo e hostilidad­es, sendo acolhida e festejada na plebe. Em cada esquina era saudada por um coro de “Floripeeee­es, viado” – algo, hoje, que soaria extremamen­te homofóbico.

À época, porém, era uma espécie de saudação, uma cordialida­de respondida com trejeitos calculados. Floripes colocava a mão na cintura, acentuava o requebrado e soltava a voz grave, fazendo reverberar seu bor

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