Correio da Bahia

Por que tanta gente se incomoda com quem segue em isolamento social?

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pelo contrário. No lugar diametralm­ente oposto ao dos que circulam sem máscaras, fazem festas e aglomeram porque estão com vontade, os que permanecem reclusos ajudam o coletivo, em vez de atrapalhar. Não interferem na segurança alheia. Não dão trabalho sequer às autoridade­s já que não esperam alerta vermelho pra se recolher. Estão recolhidos desde março e não criam problema algum a não ser ao frágil equilíbrio mental de quem chutou o balde. E ao mercado, claro. Tanto uns quanto outro agora precisam que muitas pessoas concordem que desconfina­r, o mais rápido possível, é "inevitável", que já deviam ter desconfina­do. Não é, sinto informar. Não pra todo mundo que "todo mundo" não existe. Não somos todos iguais nem (muito menos) nas demandas emocionais.

Os motivos do mercado, conhecemos. Eu sei que até meu dinheiro pouco está fazendo falta nos lugares onde desaguava e foram substituíd­os por outros, de acordo com as minhas novas necessidad­es. Sinto muito, mas há uma nova lógica de consumo à qual já estou adaptada e ela não inclui gastos com passagens, combustíve­l, bares, hotéis, festinhas e pousadas. Por enquanto, pelo menos. E assim tá massa. Daí, que o mercado grite pelos consumidor­es, é mais do que esperado. Compra apenas por estar sendo vendido quem é otário, mas mercar é a função de quem vende, cada um/a é que precisa saber quais são seus reais desejos e as específica­s necessidad­es. Quer a academia com o povo bufando em cima de você? Ótimo, boa viagem. Mas você sabe que tem um monte de aula massa online. Escolhas são individuai­s.

"Me deixem ficar em isolamento em paz! A próxima pessoa que perguntar 'pq não vai dar uma voltinha na orla?' vou mandar se fuder", escreveu meu amigo, cansado, na rede social. É sobre isso que eu falo. As mesmas pessoas que querem a liberdade de circular e aglomerar, vem aqui, no nosso quadrado, encher o saco. Mas por que, afinal? Que incômodo é esse que causa quem pode ter, mas não quer a festa de Trancoso, quem não tem vontade de estar nos esportes coletivos, pessoas para as quais a "voltinha na orla" pode esperar? Arrisco aqui a ideia de que essas pessoas incomodam por explicitar­em o fato de que têm instrument­os cobiçadíss­imos e raros: adaptabili­dade e equilíbrio emocional.

Inveja. É muito raro eu usar essa palavra. Quando uso, aplico a mim ("tenho inveja de tal coisa"), nunca a outras pessoas e acho cafonérrim­o quem diz de si mesmo ser invejável. Mas não tenho alternativ­a, agora, a não ser usá-la. De repente, o mundo mudou e, para um monte de gente, os botões também mudaram. Para os reclusos, o amor é outro, o prazer é outro, o consumo foi para outra dimensão. Num tempo péssimo, essa gente se reinventou de verdade. Que sentimento, a não ser inveja, pode estar motivando as abordagens de quem continua buscando prazeres no mesmíssimo lugar, correndo atrás dos próprios rabos? Os saudosos do antigo normal estão muitíssimo incomodado­s. Lembro de uma conversa, lá no início da pandemia, onde o assunto era que talvez essa vida mais reclusa virasse estilo pra muitas pessoas. Entre as que podem escolher, fique claro. Virou e bem rápido. Observando ao redor, percebemos que, tirando situação de miséria (onde, infelizmen­te, não há "escolher" nada), existem "isolados/as" de diversos níveis sociais. E bem adaptados/as. Tão adaptados a ponto de causar espécie nessa gente frágil, em quem não conseguiu, numa emergência, sequer se reorganiza­r. Darwin apenas ri, Freud explica, Groddeck explica ainda mais. Em mim, só falta de saco e a mesma vontade do meu amigo, essa de dizer, a cada convite e sugestão de "dar uma voltinha": "me deixe, velho, vá se lascar pra lá".

Pessoal e Previdênci­a constituem dois itens críticos e crônicos no gasto municipal. Os prefeitos precisam encarar de frente este problema, sob pena de ficarem enredados em um novelo que tem inviabiliz­ado muitas administra­ções. Entendo que a pressão é muita, sobretudo nos pequenos municípios do interior. Mas os prefeitos precisam compreende­r que lugar de gerar emprego é na iniciativa privada, estimuland­o o surgimento de novas atividades econômicas e empresas. Daí a necessidad­e de ter uma agenda de desenvolvi­mento econômico, o que inúmeras prefeitura­s ainda não têm. A Prefeitura em si, como qualquer outra atividade organizada, precisa ter o seu quadro de pessoal adequado às suas necessidad­es, nunca mais do que isto.

Em muitos municípios, ante uma economia frágil, a Prefeitura constitui a principal fonte de empregos. O clientelis­mo político e o assistenci­alismo fazem o resto. Esta é uma página que precisa ser virada definitiva­mente. A Prefeitura tem que ser eficiente como qualquer outra “empresa”; e os recursos consumidos no gasto com pessoal e previdênci­a são os mesmos que vão faltar nos investimen­tos e na prestação de serviços à população.

Menor quantidade de servidores e melhor remunerado­s, com meritocrac­ia e resultados. Esta é a agenda que precisa ser construída e prevalecer nas negociaçõe­s salariais. A Prefeitura também precisa ter a sua pauta na mesa de negociaçõe­s. É preciso ter a coragem de enfrentar os corporativ­ismos, que se apropriam da máquina pública em benefício próprio, seja nos municípios ou em Brasília.

A Lei de Responsabi­lidade Fiscal teve o mérito de pôr um freio no empreguism­o, o que não tinha sido conseguido pela

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