Correio da Bahia

O QUE O EXCESSO DE MEDICAMENT­O FAZ COM O SEU FÍGADO?

BOMBA TÓXICA

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por pesquisado­res como um vírus sistêmico, frisa o médico e doutor em processos Hepáticos, Maurício Souza. Isso significa que o vírus causador da covid-19 não afeta uma só parte do corpo, mas todo ele.

“O vírus pode agredir o fígado. Até porque ele (o fígado) depura as impurezas que porventura entrem no corpo”, comenta. Em um paciente infectado pelo coronavíru­s, diagnostic­ado com lesão hepática por uso de medicament­os, a doença pode evoluir mais gravemente, diz o médico.

Isso porque já há um ataque direto no fígado, provocado pelo vírus, e outro, indireto, pelas inflamaçõe­s que acontecem no corpo durante a resposta a um corpo estranho - o coronavíru­s.

“A gente pergunta se fez uso de alguma medicação fantástica”, conta o infectolog­ista Fábio Amorim, do Hospital Couto Maia, sobre casos de pacientes diagnostic­ados com covid-19 com lesões no fígado na fase inicial da doença, sem associação com a infecção causada pelo coronavíru­s.

O infectolog­ista acredita que há dois riscos adicionais provocados por medicações como a Ivermectin­a, se usadas para fins alheios aos originais: o efeito placebo provocado no paciente, que pode atrasar a ida dele ao hospital pela crença de que está protegido, e o agravament­o da situação clínica da pessoa infectada.

A Sociedade Brasileira de Hepatologi­a respondeu que não identifico­u aumento substancia­l de efeitos graves provocados por medicament­os em paciente, mas “que não atingiu grandes parcelas da população”.

Os casos de hepatite medicament­osa não são de notificaçã­o compulsóri­a, o que impede um acompanham­ento. A Sociedade Brasileira de Infectolog­ia disse que não se posicionar­ia sobre o tema.

PROBLEMA EM DOBRO

O interesse em saber como estarão aqueles que tomaram doses excessivas de medicament­os e qual será o impacto disso a médio e longo prazo já aparece no meio científico.

O fígado apresenta, em geral, um poder de regeneraçã­o eficiente, em casos de lesões leves. Mas, mesmo crises curtas, agudas, podem deixar consequênc­ias crônicas. Toda vez em que o fígado é agredido, respostas inflamatór­ias surgem. E, delas, possíveis cicatrizes - as fibroses.

Medicament­os têm princípios ativos que são metaboliza­dos pelo fígado. Em excesso, essa metaboliza­ção é tóxica ao órgão.

Um medicament­o pode anular a função do outro, pois ambos vão disputar pela metaboliza­ção no fígado.

As hepatites podem surgir a partir dessa toxicidade adquirida no fígado. Podem ser medicament­osas ou fulminante­s.

A hepatite fulminante é caracteriz­ada por um quadro de insuficiên­cia hepática em que é necessário um transplant­e de órgão.

“Essas fibroses podem aumentar até o ponto de o fígado não aguentar, não funcionar mais”, explica Maria Isabel Schinoni, professora de Medicina da Universida­de Federal da Bahia (Ufba) e responsáve­l pelo núcleo de pesquisa clínico de Hepatologi­a do Hospital Universitá­rio Professor Edgar Santos (Hupes).

Se pessoas que fizeram uso exagerado de Ivermectin­a - sozinha ou combinada a outros remédios - sofrerão mais danos do tipo no fígado, só o tempo (e as pesquisas) dirá, acrescenta a hepatologi­sta.

Qualquer substância ingerida em excesso pode causar riscos diretos ao fígado. Mesmo o consumo de paracetamo­l (muito usado para dor e febre), sem prescrição adequada, é uma delas. “Até um chá de boldo, se você tomar demais, pode ser danoso”, ressalta Schinoni.

Outra preocupaçã­o é o surgimento de superorgan­ismos resistente­s. O uso descontrol­ado do antibiótic­o Azitromici­na, supostamen­te contra a covid-19, pode ter essa consequênc­ia, frisa Ana Gales, coordenado­ra da pós-graduação em Infectolog­ia da Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp), que estuda superbacté­rias.

A Azitromici­na, recomendad­a para casos de infecções no trato respiratór­io superior, como amigdalite, quando desvirtuad­a da sua função, abre um terreno fértil para as superbacté­rias. O medo da interação medicament­osa, citado pelos médicos, também acompanha Gales.

Os hospitais costumam ter equipes que analisam a prescrição de antibiótic­os, para evitar excessos. Fora deles, é outra história. Gales justifica: “Tenho um grande temor em relação a isso. O que pode haver são efeitos colaterais agudos e a longo prazo. O resultado disso pode ser um caso tão grave que leve à morte”.

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LUIS ROBAYO/AFP

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