Correio da Bahia

A HOMENAGEM QUE CIRA VIU DO CÉU

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A ideia era fazer da imagem dela uma homenagem para todas as baianas de Acarajé. 5 mil garrafas plásticas foram ressignifi­cadas: eram lixo na praia e se tornaram uma obra de 3,5 metros. Assim como ela fez por onde passou, levando vida, sabor e bons momentos para o entorno de suas barracas de Acarajé. Ela, aqui, é Jaciara de Jesus Santos - ou simplesmen­te Cira do Acarajé. Falecida no dia 5 de dezembro do ano passado, Cira não chegou a ver a estátua feita pelo artista plástico André Fernandes em sua homenagem.

Ao CORREIO, André conta que a ideia era fazer uma surpresa para a matriarca. Na época, ela já estava internada no Hospital São Rafael, onde passou 18 dias até falecer com problemas renais.

O artista demorou três meses até concluir a obra. Uma semana depois de instalar a estátua no Largo onde Cira fez parte consideráv­el de seu nome, ela faleceu. Foi um golpe pesado para ele. “Fiquei extremamen­te triste e chorei quando um amigo me ligou pra dar essa triste notícia”, afirmou André.

A escolha de Cira para representa­r todas as baianas aconteceu por conta do legado construído pela quituteira. Ela trabalhou fazendo acarajé por mais de meio século tendo iniciado no ofício logo aos 17 anos, quando a mãe deixou para ela um ponto de acarajé e ela precisou ralar para criar os quatro irmãos.

Cira dizia que tudo que construiu era feito de acarajé. Sempre com sorriso no rosto, agradecia todo o sucesso que fez com baianos e turistas - recompensa­ndo o trabalho suado que iniciava antes mesmo de colocar as roupas: passou anos carregando sacos de feijão na cabeça e tocando todo o negócio sozinha.

“Cira significa beleza, axé, amor pelos seus e pela Bahia. Deixou-nos um legado: de que tudo é possível quando se tem coragem e determinaç­ão para conquistar um lugar ao sol. A escultura em homenagem a ela que passar justamente essa mensagem,

Cira significa beleza, axé, amor pelos seus e pela Bahia. Deixou-nos um legado: de que tudo é possível quando se tem coragem e determinaç­ão para conquistar um lugar ao sol. A escultura em homenagem a ela que passar justamente essa mensagem, de superação André Fernandes

de superação”, afirma André.

Apesar da própria Cira não ter visto a homenagem, todas as suas filhas são testemunha­s do sucesso que a obra já faz no Rio Vermelho. Uma delas, Jussara, afirma que todo o mundo recebeu com muita alegria e sempre que está no ponto e olha para a estátua consegue sentir a presença da mãe por ali.

Ela diz que a estátua é sucesso: “quem passa aqui para pra tirar uma foto”. Esse chamego com a imagem de sua mãe aquece o coração de todos os cinco filhos e 8 netos que a baiana teve.

O cheiro do dendê fervendo e o barulhinho que o tacho faz enquanto frita os bolinhos de feijão já seriam mais do que suficiente para trazer à tona a memória e boas lembranças de Cira. A imagem potenciali­za tudo isso e deixa claro que, mesmo com a passagem da vida como conhecemos, ela ainda está ali: vigiando, cuidando e dando bons momentos a quem tem a sorte de passar por lá.

Todo o material reciclável utilizado para construir a estátua de Cira foi catado nas praias de Salvador, fruto do Projeto Praia Limpa, idealizado pelo próprio André Fernandes em 2014. A primeira obra do projeto foi um bandeirão para a Copa do Mundo que aconteceu no Brasil há sete anos.

Cria do Nordeste de Amaralina, André fez uma bandeira do Brasil com 100 mil tampinhas. A obra ficou exposta na Fonte Nova durante a Copa vencida pelos alemães. Dois anos depois, fez um Bandeirão Olímpico, um imenso painel com as bandeiras dos 205 países que participar­am dos Jogos Olímpicos de 2016, que reuniu 300 mil tampinhas. O bandeirão pesa cerca de 300kg e demorou seis anos para ficar pronto.

O projeto conta com cerca de 35 crianças, que recolhem lixo na praia e também recebem a colaboraçã­o da própria comunidade, que doa o material para que os artistas façam arte.

Artista Plástico, que criou a escultura em homenagem à baiana de acarajé

 ?? NARA GENTIL ?? André posa ao lado de sua criação, feita com 5 mil garrafas plásticas catadas nas praias de Salvador
NARA GENTIL André posa ao lado de sua criação, feita com 5 mil garrafas plásticas catadas nas praias de Salvador

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