Correio da Bahia

Para ficar não só na memória

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Mesmo sem jamais ter botado o pé fora do Brasil, o artista visual baiano Scank, morto no ano passado aos 27 anos, está deixando sua marca em território estrangeir­o: foi concluído na cidade de Tubinga, na Alemanha, neste fim de semana, um mural em grafite inspirado na vida dele.

Estão estampados ali os rostos dele e da mãe, Leonice Galdino de Souza, pintados pelo alemão El Niño. A iniciativa da homenagem é da gaúcha Paula Gil Larruscahi­m, 44 anos, que vive na Alemanha há cinco. Paula é doutora em criminolog­ia cultural e desenvolve­u uma pesquisa sobre a criminaliz­ação da pichação. Numa viagem a trabalho à Bahia, em 2013, conheceu Scank e se encantou com as criações dele.

“Ele realmente se destacava pelo trabalho, tanto no meio acadêmico, como no universo da pichação. E o que me motivou a criar o mural foi a necessidad­e de manter a memória dele viva e acho que é importante que isso aconteça num espaço público”, revela Paula.

Scank, que era negro, foi morto numa madrugada, quando tentava deixar sua assinatura num dos muros da cidade, próximo à entrada do Bate Facho, no Imbuí, em Salvador. Levou um tiro e foi espancado. Agora, já um ano depois, a Polícia Civil, em comunicado, diz que “o inquérito foi concluído e encaminhad­o à Justiça, com a identifica­ção e a solicitaçã­o de prisão de um dos autores”. Mas os criminosos não foram presos.

Leonice, de 49 anos, diz que só no início deste ano teve força para informar-se sobre o inquérito. Uma das

No início, jogava fora os desenhos dele, queimava (...) a vizinhança dizia que matavam pichador Leonice Mãe de Scanck, reconhecid­o pelo trabalho no meio acadêmico e no universo da pichação

maneiras que encontrou para amenizar a dor do luto foi criando peças com os desenhos do filho. Hoje, vende bolsas e camisas com estampas criadas por Scank, a R$ 50 cada.

A dor de Leonice também motivou Paula a criar o mural: “Queria trazer essa questão mundial, que é a de milhares de mães que perdem seus filhos para o racismo, para a xenofobia, para o fascismo”.

A pintura é também uma homenagem a Leonice e a mulheres de todo o mundo que perderam filhos de forma violenta. “Fiz questão de que o mural tivesse o rosto do Scank e da mãe dele, porque precisamos dar visibilida­de ao rosto de pessoas negras em espaços públicos. Há uma questão simbólica nisso. Surgiram movimentos importante­s como o Black Lives Matter, mas os crimes continuam acontecend­o”.

A pintura fica na fachada de uma ocupação cultural tomada por jovens, criada nos anos 70 e, segundo Paula, o mural ficará ali de maneira permanente.

Scank, que era autodidata, conquistou também a antropólog­a Roca Alencar, professora da Ufba. “Nunca fez sequer um curso, mas era muito curioso, tinha interesse em pesquisas. Trabalhou como garçom, em telemarket­ing, mas estava sempre desenhando. A criativida­de dele era impression­ante e era um grande calígrafo. Não só reproduzia, mas criava alfabetos”, destaca Roca.

Leonice diz que inicialmen­te reprovava a atuação do filho como artista de rua: “No início, jogava fora os desenhos dele, queimava, porque a vizinhança dizia que matavam pichador. Eu não me importava dele ser artista, mas me preocupava porque a sociedade vê aquele trabalho como algo marginal”.

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 ?? FOTOS: DIVULGAÇÃO ?? Rostos de Scank e da mãe, Leonice, em mural na fachada de ocupação cultural em Tubinga, cidade universitá­ria no sul da Alemanha
FOTOS: DIVULGAÇÃO Rostos de Scank e da mãe, Leonice, em mural na fachada de ocupação cultural em Tubinga, cidade universitá­ria no sul da Alemanha

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